segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

O retorno de Talião

A cultura do medo espalha-se como arma à loucura realista que nos embevece como um cortejo fúnebre paradoxal. Passa-se a desejar a morte e a enraivecer a vida. O medo o qual outrora pudera unir, une o culto ao vazio humano.

Pensara antes em tecer comentários, compartilhar fatos sobre medos alheios que me desalegravam. Por ocasião, não desloquei tempo necessário à tecelagem por acreditar haver outras importâncias. Entretanto, esses medos atormentaram a minha mente de tal forma que seria desumano não compartilhar a minha dor.

Sofro. Não pela emoção de quem assiste a um filme triste, mas por quem revê diariamente a praga da inanição. Indago-me a pergunta de Freddie Mercury em Bohemian Rhapsody: "Is this the real life? Is this just fantasy? Caught in a landslide, no escape from reality" (Esta é a vida real? Isto é só fantasia? Pego numa avalanche, sem escapatória da realidade) - cujos questionamentos venho fazendo-me há alguns anos, desde que percebi a impossibilidade da materialização do bem.

O problema não é ter opinião. É usá-la como escudo para propagação de crimes. É reforçar o discurso de ódio para a manutenção da vomitocracia cíclica de limpeza social. Livrar-se de um pensamento rancoroso é assumir consequência do possível erro. E a legítima defesa da irresponsabilidade social é errar sem ser humano. O escarro do escárnio ao 'pecador' é tão fétido quanto o produto de uma dor intestinal. Porém, ao menos este último tem valor se o pusermos em grau de proliferação da flora.

O que me impregna é o horror pela bandeira da violência. Soa melhor arrancar cabeças e ensanguentar as palavras do que avalizar o que por certo merecia crédito: a vida. Não é o medo que temo, mas a cultura do medo como forma de proteção ao terror senhorial de quem se acha digno de respeito. Por definição, respeito acompanha a ideia de apreço e consideração. Para quem releva a flama pútrida de inteligência anencéfala, não me surpreende a ausência da autoanálise.

Por onde começar? Quem defende a forca, o retorno aos tempos dos leões no Coliseu, a limpeza étnica aos que despurificam a sociedade perfeita parece-me muito mais impregnado de ódio do que a escória atacada a pau cheio de farpas e ferro quente. Quem exala medo temporário é passível de fermentar coragem. Quem vive do medo permanente azeda as possibilidades da razão. A insanidade não está no deslize, mas na perpetuação da violência. Viver na esquizofrenia da maldade é apodrecer na escuridão da idiocracia.

Mahatma Gandhi já dizia: "Olho por olho e o mundo acabará cego". De olhos secos de razão o planeta está repleto. O paradoxo é que eles pensam ter a fé da liderança libertadora. O engano está na ausência da esperança. Sem esta última, a crença na elevação não ramifica. E não busco neste ponto tratar de religiosidade. Apenas friso que acreditar em algo em nome de verdades decrépitas é caducar-se na imensidão do emburrecimento moral.

Quem se cansa da violência e não se cansa de violar desprovido de entendimento está. A propagação corpulenta do ódio como resposta a descasos de interesse verdadeiramente sociais é digna de atrofia. Mas ela se expande. Alimenta-se rapidamente de pesadas realidades que se despercebem em meio a outras reais necessidades, a outras reais validades. A amargura é a Coca-Cola apreciada da vez. O vício energético de corações ávidos por aplausos a suas atitudes ignóbeis.

"Muitos não percebem que o 'el vingador' de hoje vai se tornar o 'el tirano' de amanhã, cobrando pela suposta proteção" (Jaqueline Muniz, antropóloga em entrevista à CartaCapital). A ameaça não é de quem peca, mas de quem prega radicalização. E de radical em radical se erradica a lucidez. A tirania brota de quem planta a maldade para colher a razão. E esta, meus caros, certamente não está no cultivo da cultura do medo, do ódio e da violação.

Quando se viola o direito à vida não há motivo para idolatrias. Pena que nem todos assim os veem. Pensa que se todos assim os vissem, o direito cercearia-os de perpetuar o reinado da autocomiseração doentia. Que a cura (leia-se: dissipação do combo medo + ódio) a esta nova chaga não tarde, pois que a História nos mostrou o quanto uma praga pode ser devastadora.