sábado, 10 de maio de 2014

A tonalidade certa

A cada novo tom de dó, sustenido fica qualquer cruel lembrança. O dobrar do refrão é como um apagar de desesperos antepassados. Na batida da melodia cada vez mais forte e marcante, um novo ritmo desponta como mais um identificador pessoal, um marcapassos desejado no coração de quem busca freneticamente enxergar além dos olhos do desapontamento.

O pedestal sustenta o microfone e a minha coragem de seguir crendo na luz que me conforta. A expectativa dos sorrisos, amigos ou desconhecidos, soma-se ao calor provocado paradoxalmente (ou não) pelo frio da próxima apresentação. Como não gostar disso? E como não me ater mais e mais a essa força centrípeta que me puxa ao palco? Não posso. Cantar, para mim, é lembrar-me de viver. Todo o resto apaga-se num deslumbrar de desesperos constantes e fugazes.

O subir e descer de notas representa mais do que uma combinação harmônica feliz, é a felicidade de me reconhecer apta a compartilhar mais do que letras conhecidas mas, igualmente, sonhos concretizados em forma de palavras musicadas. Meu sonho não é irreal. Ao contrário, mostra-se passo após passo próximo da realidade, aos poucos mais presente nos apontamentos da agenda. 

Alcanço a esperança de vencer qualquer desafio pendente apenas com a energização do canto. Vejo-me triunfar qualquer dificuldade inocente na busca pela liberdade de minha própria paz. E sigo a acreditar que nenhuma oração ou bênção é maior do que a crença naquilo ao qual chamo de dom, de carinho divino. Por isso, acredito que o que me faz cantar não é apenas a emoção de ser feliz no palco, diante do microfone com ou sem pedestal. O que projeta o meu som mais intrínseco, e intenso, é experienciar o amor-próprio através daquilo que me faz encontrar o espelho de minh'alma. 

Pois que na música me vejo e me projeto. A projetos internos de conforto e externos de raios devastadores de impiedades mascaradas de autoridades insaciáveis de poder. Para tais, o poder da derrubada alheia atrela-se a uma futura sobrevida autofágica. Para mim, o poder cantar já é suficiente para me presentear de vida. Realista e que dispensa autocomiseração. Apenas basta-se a presença de tons felizes.