domingo, 24 de fevereiro de 2013

A tal da saciedade e as papilas gustativas

Ando percebendo uma certa fome diferente. De algo que há um bom tempo não tenho em meu menu semanal.

O cardápio, sempre bastante saudável, e até motivo de chacotas pelos colegas mais próximos (por se mostrar "leve demais"), parece não estar mais surtindo o efeito desejado. O estômago tem agradecido, mas as papilas gustativas têm protestado. E com elas não posso brincar, pois quando se perde o gosto, perde-se a boa caminhada!

O protesto delas é justo. Justíssimo, diria. Mas acho que tentar neutralizá-las por mais de 2 anos seguidos deve tê-las feito acordar aos poucos.

O cérebro não sabe mais o que fazer, pois o coração, seu parceiro à altura, palpitando seriamente desde sempre, parece andar meio distraído.

O pulmão manda e desmanda oxigênio para a garotada do centro. As artérias pulsantes caminham entre os conflitos internos, enquanto as veias retornam deles carregadas de boatos de uma possível rebelião.

Tudo isso em razão da tal fome estranha.

Mas devo dizer que, por mais que seja diferente, ela não é ruim. Pelo contrário, faz tão bem aos órgãos internos (e externos) que poderiam até me conceder uma condecoração digna de nobreza, caso conseguisse saciá-la.

Não a saciedade plena, pois que ela não existe. Não em realidades de carne e osso. Mas ela é instigante e deve ser alimentada aos poucos (nunca chegando ao topo, para não perder a graça da aventura).

Então, começo a pensar no que fazer para encontrar o tal prato que faça a diferença nesse menu semanal.

Até agora pensei apenas em deixá-lo, quiçá até quando, chegar até mim pelo simples acaso. Porém, o senhor acaso anda tão ocupado em encontrar uma maneira pacificadora de resolver conflitos pesarosos que não acredito ter a chance de ele me entregar a encomenda.

Ademais, não estou sozinha nessa busca. Andam aparecendo voluntárias entusiasmadas em resolver essa ausência de prato novo.

A animação é tamanha que andam dizendo que a solução está bem debaixo de meu nariz, mas que este parece não querer sentir o novo cheiro. Algumas acreditam que é pelo fato de ele estar acostumado com os mesmos temperos diários, outras me dizem que devo reativar a função olfativa para o modo 'novidade'.

E em meio à exaltação alheia começo a entrar no debate das papilas (hiperativas e) gustativas:

- Meninas, o que preferem?

- Como assim? Você já sabe o que preferimos: inovação!

- Sim, disso eu já sei.

- Então?

- O que quero saber é se possuem alguma preferência de gosto! Doce ou salgado? Azedo ou amargo?

- Bom, você sabe que você mesma não é chegada muito em doces.

- Só em medidas contidas, sem muita adição de açúcar, de preferência mais natural possível.

- Isso, isso. Salgados são sempre bem-vindos, mas sem exageros de sódio (esse veneno maledeto)! E se possível sem molhos exagerados. Você não é chegada nos "mares de molhos".

- Ok, lembro-me disso.

- Descartamos o amargo de cara! Sem amargura, sem problemas!

- Devidamente anotado!

- Quanto ao azedo, bom, este pode ser bem recepcionado, desde que não esteja vencido.

- Como assim?

- Oras, Endie, nós não aguentaremos mais gostos azedados que estejam acima do limite do tempero salutar. Lembre-se sempre de que a sua essência é saudável. Não a mude em nome de qualquer chefe que apareça com uma nova receita de quinta (cheia de molho barato ou de doçura enjoativa)!

- Vocês são determinadas, papilas! É bom poder ter a sua companhia.

- Sabemos disso. E agradecemos o seu reconhecimento!

Após a consulta, ando mais atenta às indicações exaltadas das voluntárias. Pois até que ponto devo encarar novidades que, a priori, parecem ser bem diferentes do que me "autoindicaria"?

Claro que inovar é tentador. É desafiante, admito. Porém, até que ponto é estimulante?

Sou uma alguém, em geral, animada. Tanto que chego a ponto de apostar uma corridinha com partículas subatômicas (mesmo aquelas que, aparentemente, foram citadas como mais velozes do que a luz).

Mas a animação é contida quando se trata de riscos maiores do que o de mudar a posição da mesa de jantar, ou de alterar a quantidade de determinado ingrediente na sobremesa tradicional.

Incluir um ingrediente novo é uma coisa, uma receita nova (talvez nova para mim, mas já manjada e, quiçá, aprovada por outras pessoas) é um desafio e tanto!

E se as papilas não gostarem?

Elas foram tão prestativas, mesmo que a sua maneira, comigo! Não gostaria de fazê-las trabalhar por um gosto amargo (contra o qual elas deixaram bastante clara a sua repulsa)!

Se por um lado a senhora apreensão bate à porta do meu restaurante, por outro o senhor risco parece querer entrar pela porta dos fundos. E disse estar acompanhado da senhorita esperança.

E cada qual que busque entrar apressadamente para defender seus argumentos.

O que esta libriana sabe é que a senhora escolha está sempre de braços dados com a senhora dúvida. São tão amigas que aposto que são bastante confundidas por aí.

E em meio a todas as expectativas alheias, a interna pede espaço para respirar e fazer a sua própria escolha, a do prato inovador que melhor sacie, a priori, as papilas (hiperativas e, acrescento ainda, seletivas) gustativas.

sábado, 23 de fevereiro de 2013

As mentiras por Verissimo (e os homens por Endie)


Deleitar-se com mentiras pode ser um pouco paradoxal, senão totalmente controverso.

Ainda mais para os que me conhecem, mesmo que num nível iniciante.

Mas hoje, um sábado quente e quase comum, elas me fizeram sorrir. Especialmente por se tratar de mentiras masculinas.

O responsável pelos risos (por vezes gargalhadas) e pela inspiração deste texto é o admirável Luis Fernando Verissimo.

Célebre e incomparável cronista (o meu preferido - e meu grande modelo, admito) trouxe-me em cada historieta o lado curioso, bem elaborado e, por vezes, mirabolante das inverdades dos homens nossos de cada dia.

Esses seres, que encantam mulheres pensantes como nós e que igualmente nos intrigam, são expostos de uma maneira cômica e, por muitas vezes, sarcástica.

Eles, grandes responsáveis pelas cantorias das baladas românticas no chuveiro, no lavar da louça, ou pelos sorrisos bobos para o nada, ou pelo rubor aflorado de nossas bochechas (especialmente se vocês possuírem o mesmo bronze natural que tenho, igual ao da Branca de Neve).

Homens mentem. 

Mas isso não os torna desprezíveis.

Afinal, todos mentimos (ou omitimos) em determinadas situações.

O que os torna diferentes é a maneira como fazem. A razão poderá ser diversa. Mas a maneira é, normalmente, curiosa.

Não vou apoiar o generalismo neste texto. Há homens e homens, por certo.

Entretanto, falando de uma maneira mais ampla (e separando muitíssimo bem o joio do trigo), eles são admiráveis. 

Por menos que sejam correspondentes aos personagens emotivos, atenciosos, amorosos que encontramos nos filmes de Hollywood (e nos da Disney em especial), isso os torna até figuras especiais.

Não quero ser radical e dizer que só os nossos amigos gays é que podem ser sensíveis. Homens héteros também possuem momentos de sensibilidade.

Mas normalmente são tão bem internalizados que as mulheres acabam acreditando que o canal lacrimal deles simplesmente enferrujou desde que deram o seu primeiro (e, quiçá, último) choro [leia-se: na maternidade].

Também não pretendo  dizer que a ala feminina deve se deixar levar por alguns homens das cavernas que se encontram por aí, a não ser que realmente gostem desse tipo (e se gostarem aviso: meus pêsames!).

É só uma questão de natureza.

Homens são diferentes de nós, mulheres.

E ainda bem que o são!

Só para terem a noção do perigo que seria uma possível semelhança, vou começar pegando pesado: imaginemos se eles também tivessem TPM.

Um lado só já basta, não é?

Se fossem complicados como, muitas vezes, o somos?

Mulheres e Homens são diferentes como rouxinóis e ornitorrincos são.

Ou seja, ambos diversos, ambos importantes para o equilíbrio da natureza.

Ok, nem sempre há equilíbrios. Por vezes umas discordâncias, umas decepções, umas discussões. 

Mas o imprescindível é saber que sempre existe um amanhã. E uma nova esperança de eles, finalmente, concordarem conosco! 
=D

Brincadeira à parte, graças a Deus eles existem, com seus efeitos e defeitos colaterais, trazendo-nos igualmente alegrias, despertando corações pulsantes e fazendo-nos sorrir, como o fez, tão bem, o meu mestre Verissimo (conforme exemplifico abaixo, trazendo dois de seus brilhantes textos sobre as mentiras que os homens contam).


Os Moralistas
Luis Fernando Verissimo

— Você pensou bem no que vai fazer, Paulo?

— Pensei. Já estou decidido. Agora não volto atrás.

— Olhe lá, hein, rapaz...

Paulo está ao mesmo tempo comovido e surpreso com os três amigos. Assim que souberam do seu divórcio iminente, correram para visitá-lo no hotel. A solidariedade lhe faz bem. Mas não entende aquela insistência deles em dissuadi-lo. Afinal, todos sabiam que ele não se acertava com a mulher.

— Pense um pouco mais, Paulo. Reflita. Essas decisões súbitas...

— Mas que súbitas? Estamos praticamente separados há um ano!

— Dê outra chance ao seu casamento, Paulo.

— A Margarida é uma ótima mulher.

— Espera um pouquinho. Você mesmo deixou de frequentar nossa casa por causa da Margarida. Depois que ela chamou vocês de bêbados e expulsou todo mundo.

— E fez muito bem. Nós estávamos bêbados e tínhamos que ser expulsos.

— Outra coisa, Paulo. O divórcio. Sei lá.

— Eu não entendo mais nada. Você sempre defendeu o divórcio!

— É. Mas quando acontece com um amigo...

— Olha, Paulo. Eu não sou moralista. Mas acho a família uma coisa importantíssima. Acho que a família merece qualquer sacrifício.

— Pense nas crianças, Paulo. No trauma.

— Mas nós não temos filhos!

— Nos filhos dos outros, então. No mau exemplo.

— Mas isto é um absurdo! Vocês estão falando como se fosse o fim do mundo. Hoje, o divórcio é uma coisa comum. Não vai mudar nada.

— Como, não muda nada?

— Muda tudo!

— Você não sabe o que está dizendo, Paulo! Muda tudo.

— Muda o quê?

— Bom, pra começar, você não vai poder mais frequentar as nossas casas.

— As mulheres não vão tolerar.

— Você se transformará num pária social, Paulo.

— O quê?!

— Fora de brincadeira. Um reprobo.

— Puxa. Eu nunca pensei que vocês...

— Pense bem, Paulo. Dê tempo ao tempo.

— Deixe pra decidir depois. Passado o verão.

— Reflita, Paulo. É uma decisão seriíssima. Deixe para mais tarde.

— Está bem. Se vocês insistem...

Na saída, os três amigos conversam:

— Será que ele se convenceu?

— Acho que sim. Pelo menos vai adiar.

— E no solteiros contra casados da praia, este ano, ainda teremos ele no gol.

— Também, a ideia dele. Largar o gol dos casados logo agora. Em cima da hora. Quando não dava mais para arranjar substituto.

— Os casados nunca terão um goleiro como ele.

— Se insistirmos bastante, ele desiste definitivamente do divórcio.

— Vai aguentar a Margarida pelo resto da vida.

— Pelo time dos casados, qualquer sacrifício serve.

— Me diz uma coisa. Como divorciado, ele podia jogar no time dos solteiros?

— Podia.

— Impensável.

— É.

— Outra coisa.

— O quê?

— Não é reprobo. É réprobo. Acento no "e".

— Mas funcionou, não funcionou?

Texto extraído do livro "As Mentiras que os Homens Contam", Editora Objetiva - Rio de Janeiro, 2000, pág. 41.


Homem que é homem
Luis Fernando Verissimo

Homem que é Homem não usa camiseta sem manga, a não ser para jogar basquete. Homem que é Homem não gosta de canapés, de cebolinhas em conserva ou de qualquer outra coisa que leve menos de 30 segundos para mastigar e engolir. Homem que é Homem não come suflê. Homem que é Homem — de agora em diante chamado HQEH — não deixa sua mulher mostrar a bunda para ninguém, nem em baile de carnaval. HQEH não mostra a sua bunda para ninguém. Só no vestiário, para outros homens, e assim mesmo, se olhar por mais de 30 segundos, dá briga.

HQEH só vai ao cinema ver filme do Franco Zeffirelli quando a mulher insiste muito, e passa todo o tempo tentando ver as horas no escuro. HQEH não gosta de musical, filme com a Jill Clayburgh ou do Ingmar Bergman. Prefere filmes com o Lee Marvin e Charles Bronson. Diz que ator mesmo era o Spencer Tracy, e que dos novos, tirando o Clint Eastwood, é tudo veado.

HQEH não vai mais a teatro porque também não gosta que mostrem a bunda à sua mulher. Se você quer um HQEH no momento mais baixo de sua vida, precisa vê-lo no balé. Na saída ele diz que até o porteiro é veado e que se enxergar mais alguém de malha justa, mata.

E o HQEH tem razão. Confesse, você está com ele. Você não quer que pensem que você é um primitivo, um retrógrado e um machista, mas lá no fundo você torce pelo HQEH. Claro, não concorda com tudo o que ele diz. Quando ele conta tudo o que vai fazer com a Feiticeira no dia em que a pegar, você sacode a cabeça e reflete sobre o componente de misoginia patológica inerente à jactância sexual do homem latino. Depois começa a pensar no que faria com a Feiticeira se a pegasse. Existe um HQEH dentro de cada brasileiro, sepultado sob camadas de civilização, de falsa sofisticação, de propaganda feminina e de acomodação. Sim, de acomodação. Quantas vezes, atirado na frente de um aparelho de TV vendo a novela das 8 — uma história invariavelmente de humilhação, renúncia e superação femininas — você não se perguntou o que estava fazendo que não dava um salto, vencia a resistência da família a pontapés e procurava uma reprise do Manix em outro canal? HQEH só vê futebol na TV. Bebendo cerveja. E nada de cebolinhas em conserva! HQEH arrota e não pede desculpas.
*
Se você não sabe se tem um HQEH dentro de você, faça este teste. Leia esta série de situações. Estude-as, pense, e depois decida como você reagiria em cada situação. A resposta dirá o seu coeficiente de HQEH. Se pensar muito, nem precisa responder: você não é HQEH. HQEH não pensa muito!


Situação 1


Você está num restaurante com nome francês. O cardápio é todo escrito em francês. Só o preço está em reais. Muitos reais. Você pergunta o que significa o nome de um determinado prato ao maître. Você tem certeza que o maître está se esforçando para não rir da sua pronúncia. O maître levará mais tempo para descrever o prato do que você para comê-lo, pois o que vem é uma pasta vagamente marinha em cima de uma torrada do tamanho aproximado de uma moeda de um real, embora custe mais de cem. Você come de um golpe só, pensando no que os operários são obrigados a comer. Com inveja. Sua acompanhante pergunta qual é o gosto e você responde que não deu tempo para saber. 0 prato principal vem trocado. Você tem certeza que pediu um "Boeuf à quelque chose" e o que vem é uma fatia de pato sem qualquer acompanhamento. Só. Bem que você tinha notado o nome: "Canard melancolique". Você a princípio sente pena do pato, pela sua solidão, mas muda de idéia quando tenta cortá-lo. Ele é um duro, pode aguentar  Quando vem a conta, você nota que cobraram pelo pato e pelo "boeuf' que não veio. Você: a) paga assim mesmo para não dar à sua acompanhante a impressão de que se preocupa com coisas vulgares como o dinheiro, ainda mais o brasileiro; b) chama discretamente o maître e indica o erro, sorrindo para dar a entender que, "Merde, alors", estas coisas acontecem; ou c) vira a mesa, quebra uma garrafa de vinho contra a parede e, segurando o gargalo, grita: "Eu quero o gerente e é melhor ele vir sozinho!


Situação 2


Você foi convencido pela sua mulher, namorada ou amiga — se bem que HQEH não tem "amigas", quem tem "amigas" é veado — a entrar para um curso de Sensitivação Oriental. Você reluta em vestir a malha preta, mas acaba sucumbindo. O curso é dado por um japonês, provavelmente veado. Todos sentam num círculo em volta do japonês, na posição de lótus. Menos você, que, como está um pouco fora de forma, só pode sentar na posição do arbusto despencado pelo vento.

Durante 15 minutos todos devem fechar os olhos, juntar as pontas dos dedos e fazer "rom", até que se integrem na Grande Corrente Universal que vem do Tibete, passa pelas cidades sagradas da Índia e do Oriente Médio e, estranhamente, bem em cima do prédio do japonês, antes de voltar para o Oriente. Uma vez atingido este estágio, todos devem virar para a pessoa ao seu lado e estudar seu rosto com as pontas dos dedos. Não se surpreendendo se o japonês chegar por trás e puxar as suas orelhas com força para lembrá-lo da dualidade de todas as coisas. Durante o "rom" você faz força, mas não consegue se integrar na grande corrente universal, embora comece a sentir uma sensação diferente que depois revela-se ser câimbra. Você: a) finge que atingiu a integração para não cortar a onda de ninguém; b) finge que não entendeu bem as instruções, engatinha fazendo "rom" até o lado daquela grande loura e, na hora de tocar o seu rosto, erra o alvo e agarra os seios, recusando-se a soltá-los mesmo que o japonês quase arranque as suas orelhas; c) diz que não sentiu nada, que não vai seguir adiante com aquela bobagem, ainda mais de malha preta, e que é tudo coisa de veado.


Situação 3


Você está numa daquelas reuniões em que há lugares de sobra para sentar, mas todo mundo senta no chão. Você não quis ser diferente, se atirou num almofadão colorido e tarde demais descobriu que era a dona da casa. Sua mulher ou namorada está tendo uma conversa confidencial, de mãos dadas, com uma moça que é a cara do Charlton Heston, só que de bigode. O jantar é à americana e você não tem mais um joelho para colocar o seu copo de vinho enquanto usa os outros dois para equilibrar o prato e cortar o pedaço de pato, provavelmente o mesmo do restaurante francês, só que algumas semanas mais velho. Aí o cabeleireiro de cabelo mechado ao seu lado oferece:

— Se quiser usar o meu...

— O seu...?

— Joelho.

— Ah...

— Ele está desocupado.

— Mas eu não o conheço.

— Eu apresento. Este é o meu joelho.

— Não. Eu digo, você...

— Eu, hein? Quanta formalidade. Aposto que se eu estivesse oferecendo a perna toda você ia pedir referências. Ti-au.

Você: a) resolve entrar no espírito da festa e começa a tirar as calças; b) leva seu copo de vinho para um canto e fica, entre divertido e irônico, observando aquele curioso painel humano e organizando um pensamento sobre estas sociedades tropicais, que passam da barbárie para a decadência sem a etapa intermediária da civilização; ou c) pega sua mulher ou namorada e dá o fora, não sem antes derrubar o Charlton Heston com um soco.

Se você escolheu a resposta a para todas as situações, não é um HQEH. Se você escolheu a resposta b, não é um HQEH. E se você escolheu a resposta c, também não é um HQEH. Um HQEH não responde a testes. Um HQEH acha que teste é coisa de veado.
*
Este país foi feito por Homens que eram Homens. Os desbravadores do nosso interior bravio não tinham nem jeans, quanto mais do Pierre Cardin. O que seria deste pais se Dom Pedro I tivesse se atrasado no dia 7 em algum cabeleireiro, fazendo massagem facial e cortando o cabelo à navalha? E se tivesse gritado, em vez de "Independência ou Morte", "Independência ou Alternativa Viável, Levando em Consideração Todas as Variáveis!"? Você pode imaginar o Rui Barbosa de sunga de crochê? O José do Patrocínio de colant? 0 Tiradentes de kaftan e brinco numa orelha só? Homens que eram Homens eram os bandeirantes. Como se sabe, antes de partir numa expedição, os bandeirantes subiam num morro em São Paulo e abriam a braguilha. Esperavam até ter uma ereção e depois seguiam na direção que o pau apontasse. Profissão para um HQEH é motorista de caminhão. Daqueles que, depois de comer um mocotó com duas Malzibier, dormem na estrada e, se sentem falta de mulher, ligam o motor e trepam com o radiador. No futebol HQEH é beque central, cabeça-de-área ou centroavante. Meio-de-campo é coisa de veado. Mulher do amigo de Homem que é Homem é homem. HQEH não tem amizade colorida, que é a sacanagem por outros meios. HQEH não tem um relacionamento adulto, de confiança mútua, cada um respeitando a liberdade do outro, numa transa, assim, extraconjugal mas assumida, entende? Que isso é papo de mulher pra dar pra todo mundo. HQEH acha que movimento gay é coisa de veado.

HQEH nunca vai a vernissage.

HQEH não está lendo a Marguerite Yourcenar, não leu a Marguerite Yourcenar e não vai ler a Marguerite Yourcenar.

HQEH diz que não tem preconceito mas que se um dia estivesse numa mesma sala com todas as cantoras da MPB, não desencostaria da parede.

Coisas que você jamais encontrará em um HQEH: batom neutro para lábios ressequidos, pastilhas para refrescar o hálito, o telefone do Gabeira, entradas para um espetáculo de mímica.

Coisas que você jamais deve dizer a um HQEH: "Ton sur ton", "Vamos ao balé?", "Prove estas cebolinhas".

Coisas que você jamais vai ouvir um HQEH dizer: "Assumir", "Amei", "Minha porção mulher", "Acho que o bordeau fica melhor no sofá e a ráfia em cima do puf".

Não convide para a mesma mesa: um HQEH e o Silvinho.

HQEH acha que ainda há tempo de salvar o Brasil e já conseguiu a adesão de todos os Homens que são Homens que restam no país para uma campanha de regeneração do macho brasileiro.

Os quatro só não têm se reunido muito seguidamente porque pode parecer coisa de veado.

Texto extraído do livro "As mentiras que os homens contam, Editora Objetiva - Rio de Janeiro, 2000, pág. 89.

sábado, 16 de fevereiro de 2013

A crise da felicidade

“Nenhuma empresa, por mais sólida, admirada e moderna que seja, está imune à
crise. Esse princípio básico da administração de crise, mesmo repetido e mais do
que evidente, ainda continua esquecido por muitas organizações”. (João José Forni)

Bem, não vou discutir neste texto princípios da Administração. Mas podemos aprender com ela. Afinal, administramos diariamente a nossa própria vida.

Vivemos em tempos de felicidade plena. Não! Não estou louca! A felicidade está em todas as fotos do Facebook, nas atualizações diárias dos status, nos comentários no trabalho, nas revistas de celeridades (sim, pois que são céleres as suas "famas").

Com isso, digo-lhes que a felicidade está em crise.

Agora minha sentença de desvairada pode ser decretada? Por certo que não!

Vejamos: por trás de toda história de felicidade há uma outra de batalha, de dramas, de perdas e, consequentemente, ganhos.

Para lograrmos momentos (friso a palavra, pois que de momentos felizes se vive) de alegria, tivemos de enfrentar monstros, internos e externos. Isso porque a felicidade é uma conquista, um prêmio, ousaria, àqueles que não se resignaram no fundo do poço.

Porém, este prêmio não é como aquelas medalhas de natação que podemos pendurar no quarto. Sentimos orgulho dele, pois bem. Mas é algo transitório, quase como uma essência perfumada que nos traz um sorriso no rosto, brilho nos olhos e 'encantamento' pelos demais.

E como a essência, a felicidade passa depois de um certo tempo. 

Ainda bem que outros frascos existem para serem desfrutados. Entretanto, há os que são falsificados. É a felicidade aparente. Possui a mesma capa do refinado perfume francês, porém a essência é álcool puro.

Essa é a felicidade plena que encontramos em demasia nas redes sociais. Há uma preocupação em ser feliz, bem-sucedido, quase a levar uma vida 'perfeita'.

  Contudo, tenho uma verdade a compartilhar: não dá para ser feliz assim!

Por maior que seja a modernidade e a atualização das tecnologias, ainda não há qualquer equipamento que substitua as conquistas para se alcançar uma vida plena.
 Acredito, para não me acharem com ar de pessimista, que chegaremos lá. Mas ainda teremos um longo (e cheio de obstáculos) caminho a percorrer.

Ah! E para os que pensam em encher os frascos de felicidade com água, quando esta estiver se esvaindo, fica a dica: do mesmo jeito que não funciona com os perfumes, não funcionará com a sua vida.

A alternativa é arregaçar as mangas, agarra-se a um novo objetivo que a leve ao prêmio (ao Channel nº 5 de cada uma) e nunca, sob hipótese alguma, desistir de se perfumar com a essência da felicidade (mesmo que os frascos sejam pequenos e delicados a ponto de se quebrarem com facilidade em caso de possível alvoroço).

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Os Miseráveis: (ainda) somos nós

Na bilheteria de um cinema brasileiro:

Endie: Uma inteira para Os Miseráveis, por favor.


Bilheteiro: Moça, é um musical, viu? (com olhar meio apreensivo)


Endie (meio confusa): Eu sei. Na verdade é a segunda vez que estou vendo. 


Bilheteiro: Ah, estou avisando porque fui orientado.


Endie: ...


Bilheteiro: É que algumas pessoas pediram a devolução do ingresso porque não sabiam que era um musical.


Endie: =O


Pensamento na volta para casa: Muitos brasileiros, infelizmente, (ainda) não estão preparados para assistirem a uma produção além das porradas, peitos siliconados, histórias vazias e efeitos especiais dos cinemas enlatados.


Os estereótipos são a base da vivência humana.


O da mulher gostosona (que é "melhor" do que a sua namorada, mesmo sendo quase 1% original de fábrica).


O do homem toradão (que parece só enxergar as máquinas de malhar braços na academia).


O da loira burra.


O do Nordestino.


O do gay.


O da fofoqueira.


O do gordo.


O da religiosa.


E poderia seguir com vários exemplos aqui. Mas não vou me estender. Não quero pôr lenha na fogueira. Na fogueira das vaidades mesmo, pois sei que são bastante delicadas.


O que me surpreende (num hall quase infinito de surpresas diárias, admito) é no que a estereotipagem se transformou; apesar de saber que sempre houve a necessidade humana de definir coisas e pessoas (como numa espécie de fixação para confirmar a sua própria existência).


Digamos que o estereótipo e a definição tornaram-se irmãos siameses. E isso é um tanto perigoso. Tanto quanto dizer que Nietzsche era um cristão fervoroso (perdoe-me, oh filósofo, mas tive que apelar devido à gravidade da situação!).


Limitar alguém pela sua maneira de vestir, de se comportar em determinado lugar, de comer ou de falar é ser infeliz. Evoco a infelicidade como uma busca pelo incômodo no peito mesmo. Afinal, nada pior do que ser posta numa lata de sardinhas porque alguém quer te ver assim.


Definir um ser humano é, para mim, quase impossível. Para a maioria das pessoas não o é. Afinal, bastam poucos segundos de olhadas (de cima para baixo, de lado a outro) para algum(a) colega seu/sua fazer um resumo de quem é o desconhecido.


Acho que fica mais fácil encaixar em padrões do que se deixar intrigar, aventurar-se em conhecer melhor o outro. Não num sentido psicanalítico, mas amigável mesmo (juro que as minhas intenções são as melhores - mesmo quando pisam com bastante força no meu pé).


O limite pulsa nas artérias como o oxigênio que nos mantém vivos. O nosso limite, as nossas barreiras, nos impõe quase uma obrigação moral de encaixotar o outro.


Afinal, por que ser mais do que meus olhos poderiam ver? Ou minha mente tão brilhante (quantos não acreditam nisso?) poderia pensar?


E sabe o que é a grande catástrofe (sem querer ser Maria do Bairro, mas já sendo) disso tudo? É ver que as pessoas "compram" o que outros vendem delas mesmas.


Não, espera! É melhor tirar as aspas porque o negócio está tão sério que o correto é tirá-las.


Então, as pessoas compram o que os outros vendem delas mesmas.


A compra se realiza por dinheiro, por troca de participações em grupos, por carência e por uma lista quase infindável de desculpas tristes que ampliam a cada dia.


Pare, Endie! Pare esse discurso miserável de que não temos opção de sermos quem somos, porque...


Não! Calma aê! Eu não disse que o mundo está perdido para sempre e que seremos servos de nossas próprias mentes rotulantes! Nem disse que os Maias erraram o fim do mundo e ele deve chegar em algumas semanas!


O que quero deixar claro (e trazer à baila) é o fato da nossa sociedade deixar-se render pelo encurtamento do pensar. É mais conveniente e cômodo não refletir. Afinal, por que comprar o trigo, o fermento, o sal, o molho, etc. se é muito mais fácil (e aí mora o perigo) levar a comida congelada (e reparem que são quase naturais e nem contêm glúten! ... Sei, sei!)?


A facilidade de não exercitar os neurônios (que andam se digladiando com tanta força dentro de milhares de mentes fracas que encontramos por aí, ao nosso lado ou na mídia... ah, essa é muito boa mesmo de espalhar o vírus da estereotipagem!) é tentadora!


O que é mais fácil a gente leva (sem devolução) por conta da tal falta de tempo. Não é mesmo?


Infelizes daqueles que fazem do Big Brother Brasil (só para citar um exemplo de estagnação cerebral) parte de suas vidas felizes (?).


Isso porque é melhor observar o outro escovando os dentes ou pegando fulano na festinha promovida pelos patrocinadores (vociferantes pelo seu poder de compra) do que se encontrar com os seus próprios neurônios perdidos nessa batalha diária pela sobrevivência.


Começo a acreditar que os miseráveis da história não são os de Victor Hugo, mas os nossos conterrâneos da era bost-moderna. (É bost mesmo, aos que poderiam pensar que errei no toque do notebook! Até porque "p" e "b" ficam distantes e não haveria como não ter intenção de satirizar). 

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Desafio Literário

A amiga Katiane Monteiro indicou-me para receber o selo literário e para participar do seguinte desafio: 

  • Citar o nome e o link de quem te indicou;
  • Indicar no mínimo 02 livros que gostou de ler em 2012;
  • Listar no mínimo 3 livros que deseja ler em 2013;
  • Oferecer esse selo para 10 pessoas.
Nota : não há limite de livros para serem indicados

À amiga o meu muito obrigada. 

Adoro ler, mas não tenho lido o tanto que queria. Por pura falta de organização de minha vida. Acabo lendo muito mais pela Internet (não livros, mas matérias, textos em geral) do que pelo velho e bom livro de papel.

Esses livros eu li em 2012, um ano até bem proveitoso em relação aos anos anteriores:

1) Água para elefantes (Sara Gruen) - Um romance com nuances de drama e suspense. Nada pesado. Mas bom para os dias de chuva. Melhor do que o filme


2) O monge e o executivo (James C. Hunter) - Um clássico dos livros de autoajuda. Todas as lições já são conhecidas. Sabemos o que é certo, o que não devemos fazer da nossa vida. Mesmo assim, ainda é uma leitura válida.


3) Anjos e Demônios (Dan Brown) - Falar de Dan Brown é não precisar se estender.


4) Mulheres de sucesso querem poder... amar (Joyce Moyses) - Autoajuda feminina é sempre bom, mesmo que seja para dar algumas risadas.


5) Por que os homens se casam com as manipuladoras (Sherry Argov) - Reli para ver se "acordava" para algumas lições.


Comecei alguns, comprei outros, e em 2013 as expectativas são essas (ao menos por enquanto):


1) O corcunda de Notre Dame (Victor Hugo)


2) O Silmarillion (J.R.R. Tolkien)


3) La délicatesse (David Foenkinos)


4) Lady Susan (Jane Austen)


5) Os últimos soldados da guerra fria (Fernando Moraes)


Sei que o mundo seria muito melhor se as pessoas parassem mais para ler. Ler o que de fato faz diferença, e não só as dietas do momento, as receitas da Internet, ou o status do Facebook dos colegas.


Então, vou buscar fazer essa diferença em mim. Sem cobranças demais. Só querendo ser mais. :)


Ah, e as pessoas que indico este selo são as seguintes:


1 - Tania Campelo

2 - Katerina Czajkowska
3 - Leonéia Alves
4 - Joira Furquim
5 - Jacqueline Joachim
6 - Carlos Nepoziano
7 - Deanna Ribeiro
8 - Viviane Monteiro
9 - Pat Pordeus
10 - Raquel Lins

E aos demais que quiserem participar sintam-se à vontade. ;)