domingo, 17 de agosto de 2014

Cuidando do jardim para deixar fluir

O que você precisa deixar fluir? Com essa pergunta proposta, passei a semana a refletir. Poderia escolher situações, pessoas, angústias passageiras, dores físicas ou nomear uma vasta lista de tudo o que me trava a consciência, a mente e o coração. Porém, ao inspirar profunda e calmamente consegui expirar o que me incomoda, o que causa furo e arranhões nos sapatos. É a inveja. Não a inveja natural, aquela que nos faz admirar algo ou alguém e simplesmente desejá-lo. É o nível agudo dela. Talvez a sua forma doentia.

Desde os primórdios da civilização, quando uns conquistavam uma caça melhor do que a outra, o homem almeja melhorar o seu quintal. Afinal, a grama do vizinho é sempre a melhor, não é? À essa "regra" existem exceções, claro. Com isso não proponho que a minha grama é melhor do que a dos outros. Apenas, é minha. É personalizada. Logicamente, aprendo com os vizinhos: onde compram os arranjos dos quais gostei de apreciar, os adubos, as flores. Mas o que torna prazeroso olhar meu jardim é admirá-lo pela capacidade em combinar o que aprendi com os demais para criar o que me apetece.

Só que há vizinhos preguiçosos, daqueles que afundam em suas cadeiras gastas de praia, que preferem apontar os dedos flácidos (pois não exercitam mais o corpo, tamanha preguiça) para os defeitos dos quintais alheios. "Está vendo só aquele arranjo cafona?" (enquanto não enxerga o seu anão de jardim quebrado). "Quem já viu jardim de escola de samba? Todo colorido!" (enquanto despreza a sua rosa que clama por um gole d'água). "Sistema de irrigação importado, é? Só para se amostrar!" (enquanto as pragas detonam os seus frutos).

O conforto do desapontamento alheio (convenhamos, realizado de maneira neeeem sempre justa) advém com a falta de prática da observação interna. E quando isso se torna uma chave para todas as suas justificativas de vida, então, caro (a) leitor (a), está aí a praga que anda afetando os quintais da nossa vila: inveja crônica sedimentada nos confins dos corações amargurados pela simples vontade em não aprender. Entendo que o aprendizado demanda esforço, dedicação, e isso pode cansar. Mas não se sente bem quando realiza algo por si mesmo? Quando alcança aquele objetivo? Quando a dificuldade passa e você finalmente atende o seu próprio desejo?

Somos movidos a sonhos. Os da padaria, os da livraria, da vaga em um órgão público, do coração preenchido, da casa vendida, da paz alcançada, da saúde almejada, da viagem tão planejada, e até do sorriso sincero conquistado. E o que nos faz melhor ou pior do que os outros se não a maneira como atingimos os nossos objetivos? Por isso, proponho a mim mesma (e a quem quiser participar dessa jornada): olhar, admirar e observar bem o que nos outros quintais poderiam me interessar. Verdadeiramente, não por cobiça. Então, correr atrás, mas em um fair play. Sem querer esmagar a linda orquídea alheia ou entupir o cano da fonte vizinha.

Pensamentos mais limpos ajudarão nessa jogada. Sendo assim, é bom instalar alertas internos de pressão. Quando vier aquela vontade de querer fuzilar o outro só com o olhar, limpe os globos oculares! Apertar o pescocinho da coleguinha, entrelace seus dedos (como em um abraço de mãos)! Especialmente, quando quiser falar mal de alguém, dobre a língua e faça-a tocar no céu da boca, respirando fundo, fechando os olhos e mentalizando o quanto é bom o fato de ter saúde, estar vivo e poder reconhecer capacidades em você mesmo.

A inveja continuará a me incomodar. Sobretudo a que advém de agressões gratuitas em troca de intimidação social. Porém, o fato de buscar cuidar do meu quintal da melhor maneira possível tenho certeza de que mudará as condições internas de deixar muitas coisas fluírem. As macieiras, amoreiras e cerejeiras poderão brotar bons e apetitosos frutos. É só saber regá-las com doses de paciência, respiração e inspiração. Cuidemos dos nossos jardins, então!

quarta-feira, 13 de agosto de 2014

A morte da razão e o vício irracional da autoerosão

Eu não consigo respirar.
Uma asma de nível agudo que me sufoca o peito incrédulo.
Minha consciência de vida anda se esvaindo e repetindo um mantra constante e cheio de angústia: "é neste cenário onde estão depositadas as esperanças da humanidade?"
Mais do que a morte física o que me choca é a morte da vida.
A exacerbada dilaceração de valores primordiais.
Transformam constante e cortantemente circo de horrores morais em pão diário da sobrevivência.
Matam a vontade de querer ver a vida com bons olhos.
Enquanto observo homicídos duplamente, por vezes tripla, desqualificados de valores, juro solenemente não perder o foco da razão.
Mas é difícil. É árduo. E como dói!
Dói ver em que transformam essa existência.
Dói sentir para onde caminhamos. E não quero caminhar assim.
Pessoas machucam outras apenas pelo prazer fétido de se esquecer frustrado.
Criaturas desavisadas são estraçalhadas por pensarem diferente do "senso comum" (e o que é isso, afinal?).
Sufocam-nos, diariamente, nos whatsapps, Facebooks, notícias digitais, com grosserias vis de tão baixo nível humano que mesmo aos seres unicelulares não poderiam ser reportadas.
Engasgo com a sensação repetida de não pertencimento.
Para onde caminhamos, meu Deus/Krishna/Alá?
Envergonho-me de ser humana, se isso é sê-lo.
Entramos, minuto após minuto, post após post, em um ciclo vicioso de agressões.
Agride-se por argumentar diferente.
Por não estar nos "padrões".
Por sorrir muito.
Por cantar de verdade e com o coração.
Por ser "ingênuo demais".
Por não achar normal o instituto da grosseria.
Por parecer melhor, em certos aspectos, do que o outro.
Por não querer revidar.
Por ser "paciente demais".
Por ver o mundo de cabeça para cima.
Por querer viver sem matar.
E matam, como matam!
Estraçalham a energia alheia como zumbis, reais e nada fictícios, que se alimentam das parcas boas intenções.
Por vezes, procuro a emoção de ser humana e a distração das indiferenças me faz perder o rumo da outrora jovem otimista.
Já dizia Renato Russo: "O mundo anda tão complicado".
Está cada vez mais difícil ver a linha do horizonte a me distrair.
Da luz se faz a escuridão em se tornar infeliz. E, talvez pior, em provocar infelicidades.
Se estás feliz, desanima-te depressa, pois é um golpe nos seres frustrados. Bastam algumas palavras de esperança para que a tua miséria seja invocada.
Ando acreditando que pobres não são os que têm pouco, mas os que são tão miseráveis em desejar e nutrir o mal alheio.
O que me gera a provocação (interna, sobretudo, e diária, (in)felizmente) é a morte do Eduardo Campos (tratada como uma piada cruel por alguns). Não votaria nele. Mas a discordância política não me torna perversa. Onde há vida, a meu ver, deve haver respeito.
Além disso, outras questões cotidianas, sobretudo vividas nos últimos meses, me fazem refletir sobre isso.
Sobre a morte da razão.
Como capacidade de raciocínio.
Mas não raciocinam mais. Apenas mordem, mastigam e regurgitam.
Vomitam venenos sem antídotos fortes o suficiente para superá-los.
A razão em acreditar-me capaz de me sentir em casa neste planeta anda esvaindo-se.
Não é a desistência da minha vida.
Apenas a desistência (dolorosa e infeliz) do que, agora, muitos têm chamado de vida.
E, assim, eu não vivo. Apenas, me viro.

Para não desistir de vez, é bom lembrar que há sempre alguém que também não se conforma com a estupidez humana. Ainda bem!:
Teatro dos Vampiros (Legião Urbana)
Perfeição (Legião Urbana)