sexta-feira, 27 de setembro de 2019

Para a estrela do sorriso aconchegante

Queria saber escrever uma carta de amor, daquelas de aquecer o coração de quem a lê. Para poder fazer jus a quem exalava amor por onde passava, com o olhar sempre carinhoso. Alguém muito querida se foi hoje. Que tinha tanta luz que ao ir embora deixou em seu rosto um ultimo sorriso, sua marca registrada.

Tia, nós não tinhamos tanto contato, mas sempre que mamãe se encontrava com a senhora, você sempre perguntava carinhosamente por mim. Isso aquecia meu coração. Pois você era uma das minhas pessoas favoritas, um exemplo de que apesar de qualquer pesar, existem pessoas que continuam a amar, a tratar bem os outros e a ficar feliz com a felicidade alheia, algo tão especial e raro num mundo de hipocrisias e extremistas.

Este ano, mesmo com a distância de mais de 6 mil quilômetros, nos aproximamos. Passamos a trocar mensagens de torcida recíproca. Em sua última mensagem, há duas semanas, você me disse que estava bem como sempre dizia que estava (mesmo com a saude tão debilitada). O seu carinho pelos outros era tão grande que nunca queria entristecê-los, nem mesmo com a piora de sua saude.

Ainda nessa mensagem, você se mostrou tão feliz com meu projeto do mestrado. A torcida continuava forte, mesmo na sua dor. E me desejou, mais uma vez, felicidades, com os tradicionais corações. Você me chamou de vitoriosa pelo sucesso que tinha em meus projetos. E eu lhe digo, sem pestanejar, que minhas vitorias são possiveis porque sou cercada de pessoas especiais, cheias de amor, como a senhora era. Muito obrigada! E que seu sorriso siga iluminando outros seres, privilegiados como eu e minha familia éramos com a sua companhia.

domingo, 18 de agosto de 2019

A espera / L'attente

Texto escrito após inspiração do filme "Lembranças de um amor eterno", com Jeremy Irons e Olga Kurylenko. Trilha sonora para inspirar a leitura: 


O que somos senão um infinito de "esperar"?

Esperamos que nosso dia seja bom. Que a chuva não nos pegue de surpresa.
Que a saúde permaneça. Que não percamos o próximo transporte pra casa.
Que o calor diminua. Ou que o frio não seja tão cruel.

Esperamos que a dor desapareça. Que a tristeza se esvaia. De nós ou de alguém.
Que a surpresa seja positiva. Que ao virar do dia, com a cabeça no travesseiro, o desencanto se transforme em "apenas mais um pesadelo".

Esperamos que possamos ser capazes de amar. Que alguém nos ame. Que um outro nos espere. Que a espera não evoque a sensação de "infinito". Que a expectativa seja real. Que seja recíproco.

Esperamos que nossos sonhos se realizem. Que o projeto seja aprovado. Que nossa dedicação seja reconhecida. Que não haja tanta espera pelo resultado almejado. Que o bom pressentimento seja real. Que possamos chorar de alegria com a capacidade da realização.

Esperamos que nossa ignorância seja reduzida. Que o conhecimento nos forneça respostas. Que sejamos exceção em meio aos padrões. Que tenhamos acesso a outras exceções. Que verdades sejam questionadas. Que nossas ideias sejam aceitas. Que as certezas sejam transformadas para não nos aprisionarem em ditaduras mentais e emocionais.

Esperamos que o tempo esteja sempre a nosso favor. Que nossa mortalidade seja prolongada.
Que na morte não nos esqueçam. E que ao final de cada "esperar" haja sempre a possibilidade de um novo "recomeçar".

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Texte écrit après l'inspiration du film "La corrispondenza" avec Jeremy Irons et Olga Kurylenko. Bande sonore pour inspirer la lecture :


Que sommes-nous sinon un infini "d'attendre" ?

Nous espérons que notre journée sera bonne. Que la pluie ne nous prenne pas par surprise.
Que la santé restera. Que l'on ne rate pas le prochain transport de retour.
Que la chaleur sera réduite. Ou que le froid ne soit pas si cruel.

Nous espérons que la douleur disparaîtra. Que la tristesse disparaisse. La nôtre ou de l'autre. Que la surprise sera positive. Qu'au lendemain, avec la tête sur l'oreiller, le désenchantement se transformera en "juste un autre cauchemar".

Nous espérons pouvoir aimer. Que quelqu'un nous aimera.
Qu'un autre nous attendra. Que cette attente n'évoque pas le sentiment de "l'infini".
Que l'attente sera réelle. Que ce sera réciproque.

Nous espérons que nos rêves se réaliseront. Que le projet sera approuvé.
Que notre dévouement sera reconnu. Que l'attente pour le résultat souhaité ne soit pas long.
Que le bon sentiment sera réel. Que l'on pourra pleurer de joie devant la capacité d'accomplissement.

Nous espérons que notre ignorance sera réduite. Que la connaissance nous apportera des réponses.
Que l'on sera l'exception parmi les standards. Que l'on pourra avoir accès à d'autres exceptions.
Que les vérités seront interrogées. Que nos idées seront acceptées. Que les certitudes seront transformées pour ne pas nous emprisonner dans des dictatures mentales et émotionnelles.

Nous espérons que le temps sera toujours en notre faveur. Que notre mortalité sera prolongée.
Que dans la mort personne nous oubliera. Et qu’à la fin de chaque "attente", il existe toujours la possibilité d’un nouveau "recommencer".

quinta-feira, 15 de agosto de 2019

La lecture angoissante à l'époque des réponses faciles / A leitura angustiante na época de respostas fáceis


A chaque page d'une lecture envisagée, un souffle d'espoir dans l'avenir est éteint. Au lieu de trouver des réponses, un panoplie de nouvelles questions sautent à toute force. L'ignorance est plus claire durant le parcours de chaque nouveau paragraphe. Et comme dit lucidement le formidable provocateur d'une pensée complexe, le philosophe et sociologue Edgar Morin (La Voie, 2011) : l'ignorance ne peut pas être ignorer. Ni encore le fait que notre connaissance est un facteur de cécité. 

Par ailleurs, les livres, et je n'ose pas distinguer les bons et les mauvais (étant donné que c'est quasiment impossible d'évoquer un tel sujet pensant aux mauvaises écritures), les bouquins sont comme la nature, qui peut être dévoillée selon le degrés d'approche envisagé par l'explorateur. Sans compter le fait que par l'intermédiaire de la lecture on s'approche de notre version plus primaire. La version de l'ignorance. Parfois, de la submission au néant intellectuel. En conséquence, pas tous veulent être exposés à une possible (ou probable ?) angoisse rationnelle. 

D'après la journaliste et écrivaine Samar Yazbek (Les Portes du Néant, p. 25), "nos imperfections nous rendent entiers, songeais-je. Et nous sommes incomplets quand nous sommes entiers". Le contexte de la citation est très particulier. Néanmoins, sa force ne supprime pas le besoin de son emploi dans le présent texte. À cette inquiétude j'ajoute encore Morin et son doigt sur la plaie : "La gigantesque crise planétaire est la crise de l'humanité qui n'arrive pas à accéder à l'humanité" (La Voie, p. 28).

Pour suivre cette pensée déjà troublante, je présente l'un de mes auteurs préférés, le sociologue Dominique Wolton. Selon lui, dans son ouvrage Informer n'est pas communiquer (p.11),“l’enjeu est moins de partager ce que l’on a en commun que d’apprendre à gérer les différences qui nous séparent”. Par l'intermédiare de la connaissance on pourrait aller loin dans le débat. Cependant, il vaut mieux reconnaître d'abord que "nous vivons ainsi dans une société où les solutions que nous voulons apporter aux autres sont devenues nos problèmes" (Morin, 2011).

En outre, Wolton nous rappelle que "l’information accessible est devenue une tyrannie". Or, on observe ce phénomène quotidiennement dans les manifestations sur les canaux de communication digitale, notamment dans les réseaux sociaux. Encore Morin, "le présent n'est perceptible qu'en surface" (La Voie, 2011). De crainte que je reste dans cette surface ordinaire, je reprends le plaisir de la lecture. Afin de continuer à élargir mon champs de questions à propos de cette vie, si effrayante et largement loin d'être résoluble.

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Em cada página de uma leitura almejada, um sopro de esperança no futuro que se extingue. Em vez de encontrar respostas, várias perguntas novas surgem com força total A ignorância é mais clara no decorrer de cada novo parágrafo. E como diz lucidamente o provocador formidável de um pensamento complexo, o filósofo e sociólogo Edgar Morin (La Voie, 2011): a ignorância não pode ser ignorada. Nem ainda o fato de que nosso conhecimento é um fator de cegueira.

Além disso, livros, e não me atrevo a distinguir os bons dos ruins (uma vez que é quase impossível evocar tal assunto pensando nos maus escritos), os livros são como a natureza, que pode ser revelada de acordo com o grau de abordagem previsto pelo explorador. Sem mencionar o fato de que através da leitura nos aproximamos de nossa versão mais primária. A versão da ignorância. Às vezes, da submissão ao nada intelectual. Como resultado, nem todos querem ser expostos a uma possível (ou provável?) angústia racional.

Segundo a jornalista e escritora Samar Yazbek ("Les portes du néant", p. 25), "nossas imperfeições nos tornam inteiros, pensei. E somos incompletos quando estamos inteiros". O contexto da citação é muito particular. No entanto, sua força não elimina a necessidade de seu uso neste texto. À essa angústia, acrescento Morin e seu dedo na ferida: "A gigantesca crise global é a crise da humanidade que não alcança a humanidade" (La Voie, 28).

Para acompanhar esse pensamento já problemático, apresento um dos meus autores favoritos, o sociólogo Dominique Wolton. Segundo ele, em seu livro "Informer n'est pas communiquer" (p.11), "o desafio não é tanto compartilhar o que temos em comum, mas aprender a administrar as diferenças que nos separam". Através do conhecimento, poderíamos ir longe no debate. No entanto, é melhor reconhecer primeiro que "vivemos em uma sociedade onde as soluções que queremos trazer para os outros se tornaram nossos problemas" (Morin, 2011).

Além disso, Wolton nos lembra que "a informação acessível tornou-se uma tirania". Ora, observamos esse fenômeno diariamente em eventos nos canais de comunicação digital, principalmente nas redes sociais. Ainda Morin, "o presente só é perceptível na superfície" (La Voie, 2011). Por medo de permanecer nesta superfície comum, retomo o prazer da leitura. A fim de continuar expandindo meu campo de perguntas sobre esta vida, tão assustadora e longe de ser solucionável.

terça-feira, 13 de agosto de 2019

Condução emocional / Conduite émotionnelle


Jardim Botânico Real - Edimburgo / Jardin Botanique Royal - Edinburgh
O que me paralisa? O que me faz frear tanto ou mesmo pegar as ruas sem saída? O medo que tanto questiono e condeno ou a certeza criada em função das cicatrizes que a pele não deixa escapar? Na estrada, a trilha sonora escancara do que procuro escapar. Entretanto, há pressões atmosféricas que não saúdam bem a rajada de questionamentos sobre os "e se" que mexem na condução do veículo. Mesmo sem experiência no trânsito, por medo (ir)racional encrustado há muitos anos, a necessidade de dirigir se instala. 

Na rodovia, conduzi durante muitos anos próximo ao acostamento, por ser mais seguro em caso de crise potencial. Desejei crises ou as antecipei? Talvez ambas as opções. É mais fácil se apoiar no argumento de problemas em potencial do que experimentar utilizar as curvas da estrada e até arriscar conduzir pela esquerda. A quilometragem alta para quem está acostumada à condução da autoescola, porém, assusta e enfraquece as pernas. Então, assim, mesmo com potencial de quem poderia dar conta de um caminhão, paro o veículo por várias vezes e prefiro esperar por uma tranquilidade aparente da estrada. 

Mesmo que livros, canções e filmes tenham me estimulado a acreditar em rotas aventureiras, daquelas que tiram o fôlego e nos fazem rir sem freios, a realidade estável e sem emoções me é mais habitual. O que me falta? O cinto de segurança está sempre presente, mas a segurança interna... esta não me falta em outros departamentos. Porém, nesse contexto das emoções que te fazem sorrir para o nada ao saber simplesmente que um outro te aguarda, o status quo que tanto odeio parece me confortar fácil e rapidamente. E assim deixo a fantasia tomar conta do volante mais uma vez. 

Talvez mais essencial é saber a resposta ao que me foi perguntado recentemente duas vezes: o que procuro? "O que todos procuram", respondi. Mas será mesmo que é o que todos procuram ou sigo me apoiando em ideias reproduzidas sobre os quais nem mesmo seus autores estão seguros? A lógica do "ad populum" nunca me foi cara. Todavia, ela é usada facilmente como carta na manga em uma resposta que deveria ser menos previsível e mais pessoal. Mesmo sendo da área da comunicação, há palavras, como "pessoal", que me são confortáveis apenas no mundo das ideias. 

Então, condutora, o que procuras tu? Seguir tentando os evitamentos da estrada ou estar disposta às vezes a sentimentos nunca manifestados antes por puro medo da perda do controle emocional? Controle este que não tem a ver com loucuras degeneradas e sim com prazeres inexplorados. Como o prazer de não ligar para o que os outros pensam de uma risada gigante, ou o de poder se sentir humana fora das páginas dos livros, das estrofes das músicas preferidas ou das cenas dos filmes que tanto ama.

Para quem gosta de estudar crises, acredito que esteja mais do que na hora de não deixá-las controlar a sua rota. A condução nem sempre pode ser previsível. Pode ser segura como convém. Mas ela não precisa nos segurar das possibilidades reais do caminho. Vai haver dificuldades, como sempre há. Momentos nem sempre gloriosos. A trilha sonora pode nem sempre harmonizar com o tom natural da voz. Porém, é preciso conduzir. Então, conduza! O seu veículo certamente está pronto até para as incertezas dos vocábulos "certo" e "pronto". Liga o motor, sem esquecer do cinto e nem do sinto. Porque sentir é bem quisto. E como eu sei que isso é o que eu quero!

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Qu'est-ce qui me paralyse ? Qu'est-ce qui me fait autant freiner ou même me retrouver dans des rues sans sortie ? La peur que je questionne et condamne ou la certitude créée par les cicatrices que la peau ne laisse pas partir ? Sur la route, la bande sonore montre largement de ce que j'essaie d'échapper. Cependant, il existe des pressions atmosphériques qui ne répondent pas à la vague de questions sur les "et si" qui affectent la conduite du véhicule. Même sans expérience de conduite, pour une peur (ir)rationnelle incrustée pendant de nombreuses années, la nécessité de conduire s’installe.

Sur l’autoroute, j’ai conduit pendant de nombreuses années près du bord de la route, car c’est l'option la plus sécuritaire en cas de crise éventuelle. Voulais-je des crises ou les anticipais-je ? Peut-être les deux options. Il est plus facile de s’appuyer sur l’argument des problèmes potentiels que d’expérimenter les courbes de la route et même risquer de conduire à gauche. Le kilométrage élevé pour ceux qui sont habitués à la conduite de l’auto-école effraie et affaiblit les jambes. Donc, même avec le potentiel de quelqu'un qui pourrait conduire un camion, j'arrête le véhicule plusieurs fois et préfère attendre une tranquillité apparente de la route.

Même si des livres, des chansons et des films m'ont incité à croire en des itinéraires aventureux et époustouflants qui nous font rire sans freins, la réalité stable et sans émotion m'est plus commune. Qu'est-ce qui me manque ? La ceinture de sécurité est toujours présente, mais la sécurité intérieure ... elle n'est pas absente dans les autres départements. Mais dans ce contexte d'émotions qui font sourire au néant, sachant simplement qu'un autre vous attend, le statu quo que je déteste vivement semble me réconforter rapide et facilement. Et donc je laisse la fantaisie reprendre le volant encore une fois.

Le plus essentiel est peut-être de connaître la réponse à ce que l’on m'a récemment demandé deux fois : qu'est-ce que tu cherches ? "Ce que tout le monde cherche," dis-je. Mais est-ce vraiment ce que tout le monde cherche ou je m'appuie sur des idées reproduites dont même leurs auteurs ne sont pas sûrs ? L'argumentum ad populum ne m’a jamais été cher. Cependant, il est facile de l'utiliser comme "ayant une carte dans la manche" même pour une réponse qui devrait être moins prévisible et plus personnelle. Même étant du domaine de la communication, il existe des mots, tels que "personnel", qui ne me conviennent que dans le monde des idées.

Pour quelqu'un qui aime étudier les crises, je pense qu'il est grand temps de ne pas les laisser contrôler l'itinéraire. La conduite peut ne pas toujours être prévisible. Cela peut être en sécurité comme il convient. Mais cela n’a pas besoin de nous retenir des possibilités réelles du chemin. Il y aura des difficultés, comme il y en a fréquemment. Pas toujours des moments glorieux. La bande sonore peut ne pas tout le temps s'harmoniser avec le ton naturel de la voix. Mais il faut conduire. Alors conduis ! Le véhicule est certainement prêt, même pour les incertitudes des mots "sûr" et "prêt". Démarre le moteur sans oublier la ceinture ni la sensation. Parce que le sentiment est bien aimé. Et je sais bien que c'est ce que je veux !

segunda-feira, 20 de maio de 2019

Na rota da chuva / Sur la route de la pluie


Hendaye - España

Volto com um sorriso bobo no rosto, como quem esconde uma piada sagaz enquanto está se mordendo para contar a todos. Embalada por uma trilha sonora preparada para a curta e aventurosa viagem, a vontade é de compartilhar com o mundo que é possível ter um final de semana incrível regado a lama, chuva, frio e longas noites mal dormidas. 

Esse cenário aparentemente caótico é, por vezes, enigmático ao esconder possibilidades infinitas de sorrisos: seja em um café da manhã sincronizado em meio ao mar de colchões infláveis, ou durante a percepção tardia de que ter apenas um banheiro para oito pessoas nunca é uma boa ideia.

Esse contexto, que se encaixa perfeitamente no trecho dos canhões da Abertura de Tchaikovsky 1812, pode revelar emblemáticos e essenciais momentos de alegria:


- No soltar da voz despretencioso no descer de uma colina ou na estrada de volta para a hospedagem (de Elton John à Britney Spears);


- No chocolate com churros delicioso e muito bem-vindo ao quarteto ensopado e enlameado (porém assaz esperançoso);


- No café da manhã embalado por um violão amigo com uma das mais belas canções: Can't Help Falling in Love;


- Na graça com gosto de infância e textura amarelada na pelúcia húngara (köszönöm Kacsa!);


- No observar da dança entre dois amigos, por vezes levada à sério, por vezes nem tanto;


- No reparar feliz de que a música popular brasileira combina tanto com boas companhias;


- Nos ombros ou braços amigos após excesso de vento, lama e plantas que espetam no caminho tortuoso da colina espanhola;


- No compartilhar festeiro de vários momentos de comida. No restaurante ou na mesa da sala. Ela que sempre nos acompanha com fidelidade indubitável, nas conversas ou nas refeições.


Ao final da aventura (in)esperada, nos damos conta de que muitas vezes podemos ter ótima convivência mesmo não sabendo ao certo identificar o que nos conecta fortemente àquelas pessoas tão diferentes, porém tão próximas em seus anseios de seguirem a tônica do carpe diem compartilhado. 


Até mesmo se perder é válido para encontrar o melhor caminho e memoráveis risadas. Mesmo que isso te leve à emoção de chegar poucos minutos antes dos demais amigos e aguardá-los debochadamente, molhado e com respiração ofegante, com o olhar irônico de quem há muito tempo os estava confortavelmente aguardando. 


Um amigo reparou recentemente que gosto muito da chuva, por usá-la frequentemente nos meus textos como sinônimo de boas e necessárias inspirações. 


Um outro me mostrou que mesmo encharcados no meio da estrada podemos nos confortar com um dueto de One More Try, regado a risos e imediato sentimento de identificação musical (Ah, George Michael!).


Definitivamente, a chuva é capaz de trazer ventos, sentimentos e risos memoráveis.


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Je reviens avec un sourire un peu bête, comme si je cachais avec difficulté une blague sagace pas encore prête pour être partagée avec tout et n'importe qui. Emballée par une bande sonore préparée pour le voyage court et aventureux, l'envie est de partager avec le monde entier qu'il est possible de passer un incroyable weekend arrosé de boue, de pluie, de froid et de longues nuits sans bien s'endormir.


Ce scénario apparemment chaotique est parfois énigmatique cache des possibilités infinies de sourires : qu’il s’agisse d’un petit-déjeuner synchronisé au milieu de la mer de matelas gonflables, ou de la perception tardive selon laquelle il n’est jamais bon d’avoir une seule salle de bain pour huit personnes.


Ce contexte, qui s’inscrit parfaitement dans la section des canons de l’ouverture de Tchaïkovski 1812, peut révéler des moments de joie emblématiques et essentiels :


- Dans la libération de la voix sans prétention en descendant une colline ou sur le chemin du retour au logement (d'Elton John à Britney Spears) ;


- Dans le chocolat avec des churros délicieux et très bienvenus dans le quatuor trempé et boueux (mais plutôt plein d’espoir) ;


- Au petit déjeuner emballé par une guitare amie avec l'une des plus belles chansons : Can't Help Falling in Love ;


- Dans la grâce avec le goût de l'enfance et la texture jaunâtre de la peluche hongroise (köszönöm Kacsa!) ;


- Dans l'observation de la danse entre deux amis, parfois prise au sérieux, parfois pas ;


- Dans la remarque, avec plaisir, que la musique populaire brésilienne se combine tellement avec de bonnes compagnies ;


- Dans les épaules ou les bras amis, après un vent excessif, de la boue et des plantes qui crachent sur le chemin tortueux de la colline espagnole ;


- Dans le partage animé aux plusieurs moments de nourriture. Au restaurant ou à la table du salon. Elle qui nous accompagne toujours avec une fidélité incontestable, dans les conversations ou dans les repas.


À la fin de l’aventure (in)attendue, nous réalisons que nous pouvons souvent avoir une excellente relation même si nous ne savons pas avec certitude ce qui nous relie à des personnes si différentes, mais si proches dans leur désir de suivre la carpe diem partagée. 


Même le fait de se perdre vaut la peine pour que l'on puisse trouver le meilleur chemin et des rires mémorables. Même si cela vous amène au frisson de venir quelques minutes devant les autres amis et de les attendre, avec moquerie, mouillés et à bout de souffle, portant un regard ironique de ceux qui attendent confortablement depuis longtemps.


Un ami a récemment remarqué que j'aime beaucoup la pluie, car je l'utilise souvent dans mes textes comme synonyme de bonne et nécessaire source d'inspiration.


Un autre m'a montré que même trempés au milieu de la route, nous pouvons nous réconforter avec un duo de One More Try, comblé de rire et d'un sentiment immédiat d'identification musicale (Oh là là, George Michael !).


La pluie est définitivement capable d’apporter des vents, des sentiments et des rires mémorables.

segunda-feira, 15 de abril de 2019

Do outro lado do espelho ou de quando a chuva chegou

Andei sentindo as gotas de chuva na testa, nas lentes dos óculos e no sorriso que aguardava ansioso uma certa mudança. Lembrei-me de meu avô que dizia ser a chuva um sinal de limpeza. Pensei que seria a resposta que queria. Mas naquela noite, recebi uma resposta da chuva, porém era a que precisava. Doeu. Doeu porque quebrou o encantamento invisível. Nós, sonhadores escassos, ainda insistimos em lançar encantos para quebrar a dureza da realidade autofágica. Entretanto, a natureza, sendo mais forte do que as necessidades superficiais humanas, assola as fantasias infantis que insistem em nos perseguir.

Foi quando senti o caos da decisão aparecer repentinamente em minha mente e em minhas mãos. Sabia que esta noite seria uma noite de decisões, apenas não sabia que estaria do outro lado do espelho. Este tem duas faces e, por vezes, esqueço disso. Às vezes, permaneço no lado do reflexo alheio e esqueço que sou eu a linha de frente do plano visual. Hoje havia me esquecido disso. Mas a chuva me lembrou, além do banho quente e do Elton John. 

Por alguns minutos, quando do rachar do espelho, quis gritar pro mundo, talvez para salvar o lado fantasioso da desilusão. Entretanto, a chuva lá fora foi mais forte e me impediu de prejudicar a garganta. Foi então que me lembrei de um de meus poderes mais fortes: a palavra escrita. Escrevi, pus em frases os verbos e os adjetivos que exprimem o meu acordar diante do espelho. 

Ainda não estou totalmente consciente desse meu poder de honestidade sentimental; mas quando tiver essa consciência estou certa de que a fantasia não sera mais necessária. De que não precisarei mais fingir. Porque eu sou a personagem mais importante da minha história. E os coadjuvantes não devem tomar conta do meu roteiro.

sábado, 24 de novembro de 2018

O Bolero e a bicicleta: sobre os prazeres que a vida pede

Em dois dias, ontem e hoje, oportunizei-me momentos necessários de (re)descoberta. Que foram lindos em suas próprias particularidades. Começo pela descrição do cenário, ou melhor, da rota até o primeiro cenário.

O dia era de chuva intermitente e frio, contexto visual e sensorial previsto no outono. As atividades anteriores renderam o esperado em termos de estudos. Nem mais, nem menos. Entretanto, o cume da expectativa chegaria à noite. 

Sem muitas cerimônias, o tal momento era a apresentação ao vivo da minha música clássica preferida, o Bolero de Ravel. 

Desde pequena, de criança mesmo, essa peça me emociona e me impulsiona a sorrir com os olhos marejados. Para quem não a conhece, uma sincera sugestão musical. Sim, é uma música longa, mas para mim ela possui o tempo exato para retratar simbolicamente a caminhada pela qual passamos em nossos projetos de vida. 

Começamos a passos lentos, por vezes inseguros, com uma marcha tímida que vai tomando vida a cada nova descoberta de sons, de notas, de erros e acertos. Além disso, cada novo instrumento que acompanha essa jornada traz um equilíbrio notável e essencial para que a grande sinfonia do projeto tome forma. 

É nesse cenário que a música cresce e se engaja na mistura de sentimentos e sentidos acumulados e (alguns) ainda não explorados interna e/ou externamente. Há reação imediata e incontrolável quando da entrada de todos os instrumentos de corda e de sopro. A finalização com as percussões nos faz desfincar os pés da zona de conforto que até o momento nos impede de arriscar a mudança imprescindível para a realização do desejo almejado.

Eis minha interpretação do Bolero, que ontem me foi apresentado na versão ao vivo pela primeira vez e tocado pela Orquestra Nacional de Bordeaux Aquitaine. Antes da chegada a esse evento, a lua cheia cintilava pela janela do tram lotado, enquanto, sentada estava, ouvia a proposta da playlist do Spotify na qual Janis Joplin me lembrava de sua valiosa contribuição musical com a canção Mercedes Benz. 

A voz ragada de Joplin parecia contrastar harmoniosamente bem com o cenário no qual as rochas lunares estavam tão à mostra quanto a interpretação gutural da cantora. Neste ponto preciso do caminho, antevi a escrita do presente texto e sabia igualmente que não teria as palavras exatas para refletir o que sentia. 

Nem o frio chuvoso ou os três caras com as pernas escancaradas que se sentaram à minha frente atrapalharam o prazer que estava por vir. No auditório, fui recepcionada por lembranças apetitosas de quando estivera há alguns meses com minha mãe, numa apresentação do coral da ópera local. 

Após o ensaio de alguns instrumentos, os quais despertavam as notas que me haviam acelerado muitas vezes os batimentos internos, Ravel (ainda não o Bolero, que seria deixado inteligentemente para o final) e Debussy encantaram a plateia formada por gerações das mais diversas. Foram cerca de 1h40 de espetáculo, cerca de 15 minutos dos quais dedicados ao Bolero. 

Quando me dei conta de que era chegado o momento, sabia que meu rosto estava totalmente entregue à emoção do que há tanto aguardava. Com cada trecho da música eu descobria os instrumentos vários que integravam aquela peça e me apaixonava ainda mais por ela. Como música é algo tão precioso!

Na expectativa pela correspondência das notas já conhecidas, dois instrumentos não foram tão precisos quanto o esperado. Entretanto, tratei logo de pensar que assim como na vida nossas trilhas têm falhas a música não deixaria de ser sublime por conta disso. 

Assim, ao atingir os últimos minutos majestosos com a integração de todos os instrumentos da sinfônica, eu tinha a certeza de que minha alma pertencia àquela música e de que poderia me entregar aos sentimentos mais fortes que me fossem despertados por ela. 

Toda essa mistura de emoções foi entrelaçada a lembranças de momentos da infância, da adolescência e da vida adulta. De memórias com pessoas que tornaram possível a minha chegada até aquele extraordinário momento.

A volta para casa foi sublimada pela chuva que caia. Ah! E como estava bela a fachada da Cathédral Saint-André! Sim, ainda há muita beleza a ser reparada na cidade que aprecio tanto. Sabia que aquilo era felicidade e isso me deixou alerta às próximas escolhas de rotas no cotidiano.

Pela manhã, ainda enebriada pelo calor do espetáculo, decidira tirar da linha do desejo a ideia de retomar os passeios de bicicleta, tão presentes na minha infância. Após cerca de 15 anos sem fazê-lo cotidianamente, aluguei o dispositivo e com o equilíbrio meio tenso fui sorrindo pelo caminho da minha vizinhança cuja luz do Sol combinava com a fraca presença de pessoas no ambiente. Precisava de espaço e de menos barulho possível para poder aproveitar bem a retomada do que outrora me satisfazia.

Foram cerca de 30 minutos para perceber que aquilo também deveria integrar o meu cotidiano. As pernas doerão, bem sei, após a ladeira desconhecida e as pedaladas bambas, mas esses fatos não impedem o desejo de seguir retomando o que me faz reagir positivamente às manifestações da vida. 

Para escutar a minha versão, até agora preferida, do Bolero de Ravel (que há apenas algumas semanas descobri que era francês. Essa conexão não é à toa...), encantadoramente tocada pela Orquestra Sinfônica de Londres: 



sábado, 20 de outubro de 2018

33 fatos que aprendi até os 33

1. É fundamental respeitar a sua própria opinião. Mas ter coragem para mudá-la, quando necessário, é bem nobre.

2. O gosto para comidas e bebidas transforma-se ao longo dos anos, e te surpreende em vários sentidos. Dica: permita-se conhecer novos sabores. É uma experiência fundamental.

3.  Realizar um grande sonho de infância é maravilhoso e emocionante. Vale (muito) a pena correr atrás. Superar obstáculos é muito difícil, mas o resultado final dá um poder fodástico!

4. Os conselhos de minha mãe estão corretos 95% do tempo. E às vezes é bem difícil admitir isso. Ah, os outros 5% equivalem a minha parte mais diplomática que ela diz que não tem tanto quanto eu.

5. Dica de investimento: seja poliglota. É muito bom ser independente em termos de viagens e poder conhecer outras culturas com menos filtros possível.

6. A música é o maior amor (imaterial) da minha vida.

7. Voltar a estudar depois dos 30 anos, sobretudo estudos universitários, é um desafio incrivelmente fabuloso.

8. Comunicação é apaixonante. Apesar do desafio cotidiano que tenho nessa área, eu amo a minha escolha profissional. Se puder amar o que se faz, com todos os seus altos e baixos inclusos, faça-o.

9. Morar longe, bem longe mesmo, da família e de todos que conhece e ter uma nova vida no exterior é difícil pra chuchu! Entretanto, faz um bem arretado e nos faz evoluir pessoal e profissionalmente de maneira inimaginável.

10. Quando a morte de alguém que se ama tanto chega, não há como prever o tamanho da dor da saudade que se terá tempos depois do falecimento. A dor é única e, por vezes, dá medo. Porém, é muito muito bom saber que você soube valorizar esse amor.

11. Se puder, vá ao menos uma vez por mês ao teatro (para ver peças, concertos e/ou óperas). É enriquecedor energizar o cérebro com cultura.

12. Não tenha vergonha de se emocionar e nem de chorar quando necessário. É humano viver o que se sente de verdade. Dica: emocione-se musicalmente. É uma experiência assustadoramente maravilhosa.

13. Não deixe ninguém te desmerecer ou te desrespeitar. Ninguém. Revide quando valer a pena. E você vai saber quando realmente valerá.

14. A perda do equilíbrio emocional, o estresse, não vale a pena. Nunca. Não vai melhorar a situação e nem fazer você esquecê-la.

15. Detesto quando alguém desfaz dos outros. Discordar de opinião ou não gostar de alguém é um direto de cada um. Mas partir para o desrespeito é cruel.

16. Não queira a perfeição. É estúpido e nunca vai acontecer. Dar o melhor de si é diferente de querer ser perfeito.

17. Gosto muito de fazer as coisas corretamente. Espírito de justiça (libriano ou não) segue firme.

18. É muito bom caminhar e prestar atenção nas pessoas e nas paisagens. Observar o mundo é um experiência essencial.

19. Sou uma pessoa muito carinhosa e atenciosa. Isso não é por ser brasileira, nem por ser nordestina. Tem a ver com a criação. Tem a ver com minha bagagem histórica. E tenho orgulho de ser assim.

20. Os 20 anos foi a fase mais difícil e turbulenta em muitos sentidos. A fase dos 30 está sendo incrivelmente poderosa.

21. Fazer terapia é fundamental. Em qualquer momento da vida.

22. Tenha mais de um ciclo de amizades. Vale e muito a pena.

23. Seja independente. É maravilhoso.

24. Tenho um orgulho danado de ser feminista. E isso tem super a ver com a questão da independência (n. 23).

25. Nunca fui materialista. Querer mais coisas materiais nunca é o melhor caminho para se sentir melhor consigo mesmo.

26. Não seja pirangueira (vocabulário pernambucano que significa "mão de vaca"). Já fui. E muito. E não é bom. Saiba ser econômico sem deixar de viver bem equilibrado.

27. Ler e viajar são os melhores investimentos que já fiz.

28. Surpreenda quem você ama. Não ache que só porque já existe amor que as coisas devem permanecer como estão. Não precisa comprar coisas. Faça algo com carinho. É poderosamente enriquecedor para ambas as partes.

29. Ter uma péssima referência paterna na vida dói muito. As cicatrizes ficam. Terapia ajuda. Mas o mais importante que aprendi é não culpar ninguém pelos seus próprios erros. Minha opinião é admitir a dor, não se obrigar a perdoar (isso é pessoal e ninguém nunca tem que te impor nada, muito menos o perdão) e compreender que você é responsável por todas as suas decisões.

30. Escutar cobranças é uma merda. Sempre. Principalmente cobranças machistas, como de casamento e de filhos.

31. Ser preconceituoso é outra merda. Sempre.

32. Quando não souber o que fazer, sobretudo em uma situação emocionalmente difícil, não tome decisões precipitadas. Você vai achar a melhor solução. E (muito provavelmente) haverá pessoas
que lhe ajudarão. Porém, não coloque o peso da responsabilidade sobre elas. Toda escolha é individual.

33. O que duas semanas de mindfullness e quase dois meses de mestrado no exterior me ensinaram: planejar não é ruim, pelo contrário, é muito bom e fundamental. Mas viver o presente é ainda mais necessário.

domingo, 10 de dezembro de 2017

Pesos e medidas

Fundação Gilberto Freyre, em Recife (maio/2017)

William Shakespeare, uma ótima e conhecida (talvez bem batida, porém contextualizada neste caso) referência em citações, disse em sua peça Medida por Medida que "nossas dúvidas são traidoras e nos fazem perder o que, com frequência, poderíamos ganhar, por simples medo de arriscar". Ousaria acrescentar uma livre interpretação ao escritor inglês: a de que a senhora dúvida não pode ser encarada apenas com o viés do medo. Caso contrário, não teríamos sobrevivido a anos de guerras, fomes, pestes, catástrofes, doenças e pragas. Ela esteve lá, presente em todos os críticos momentos. O simples desejo do "e se" certamente nos salvou de muito mais do que inundações, tornados, dores de cabeça e, até, de vidas solitárias.

Há uns quatro meses, enquanto elaborava em minha mente as primeiras ideias sobre um novo texto para o presente blog, cheguei à seguinte conclusão: é a certeza da dúvida que me faz escrever. Vista sob diversos ângulos, a dúvida se torna inimiga de muitos pela intensidade da relação com o seu usuário. Ela não demanda um tipo de amizade que se carrega o tempo todo, numa parceria fiel e, por vezes, acomodada. É daquelas cujo encontro tem que ser pontual, quando a situação for oportuna e exigir mais do que um espírito ilusório de liberdade. Em resumo, a dúvida existe, tem que existir. Entretanto, não deve ser usada além do necessário, sob o risco de se tornar um medicamento cujo efeito, depois de uma ingestão constante e exagerada, não funciona no organismo.

Escudeiro fiel da dúvida, o medo estará pronto ao mais leve sopro da ocasião. Ele não precisa estar a postos, mas é um sentinela obediente a quem quiser chamá-lo. Acompanha cada passo, cada respiração, cada gota de tristeza, angústia, raiva ou desespero da companhia que o convoca. Injustamente, é tratado com desonra pela maioria das pessoas, sobretudo por aquelas que mais paradoxalmente receiam aproximar-se dele. Elas sabem que o medo não morde, mas deixa marcas cujo tempo, senhor de todas as histórias, pode não conseguir cicatrizar. Sua presença, logo, é das mais ojerizadas.

Estar alerta é significar-se em um contexto, dar voz a roteiros racionalizados, por vezes escondidos entre as pastas empoeiradas do armário interior. Viver em estado de alerta é perigosamente desconectar-se do senso de realidade e permitir-se, ou melhor, obrigar-se a se enclausurar em um mundo paralelo de emoções arriscadas e insanas, as quais muito pouco refletem o que de fato acontece ao redor do contexto imaginado. A redoma é de vidro fino. O martelo ao lado muitas vezes não é visualizado por conta do conforto causado pela autocomiseração. A esta, clamo redobrada atenção, pois que em tons de egoísmo lírico se disfarça de humildade mórbida. 

Malfadado é o caminho daquele que se liberta da dúvida e do medo pelo receio de se afeiçoar à autocomiseração. Sufocar-se com uma gota de busca pela liberdade não torna a própria vida um fardo mais suave a se carregar. Permitir-se o risco é, antes de tudo, suscitar reflexões, pesos e medidas, cumprimentar polidamente questões que podem indicar rotas cujo trajeto não teria sido calculado pela negação da incerteza. Oscilar faz parte da rotina do equilíbrio, como uma questão de complementaridade. Escolher entre o balanço ou a constância é como estar em uma dança. A depender da trilha sonora, da companhia, do objetivo e do contexto, haverá infinitas possibilidades e, entre elas, nenhuma será a única resposta para todas as demais. 

quarta-feira, 11 de outubro de 2017

Navegando em águas turbulentas


Na semana passada, foi divulgada uma pesquisa cujo resultado é não apenas alarmante como também desafiador. De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, numa escala de 0 a 10, no Brasil, o apoio ao autoritarismo é de 8,1. Como uma das principais causas desse resultado surreal (quer dizer, seria mais surreal por esperarmos um índice alto ou por ele de fato existir?) está o medo da violência cotidiana. Apoiar posturas autoritárias, o apoio pelo medo, é a melhor saída? Nunca. A História está repleta de exemplos que endossam essa resposta.

Ouso dizer que a ideia de obedecer sem questionar, apenas seguindo o fluxo na levada de quem se rotula como "aquele que solucionará os problemas", remete ao nível mais alto do niilismo. Afinal de contas, se a maioria de nós prefere marchar como soldados rasos, prontos para dar a volta ao mundo sem pausa para comer ou ir ao banheiro, será que existe a consciência da margem do contrafluxo democrático para o qual está sendo manejado o leme?

Alguns poderiam contra-argumentar: "Não seria melhor, ou até mais produtivo, termos que nos preocupar menos em escolher os pormenores cotidianos? Até porque é só apertar um botão verde para escolher alguém que faça isso por nós de acordo com o que acreditamos que ele/ela conduzirá as decisões". Não seria, nem será. Não somos robôs programados a apertar parafusos e prontos para a troca de óleo periódica. Temos necessidades. Reclamamos. Desejamos. Protestamos. Essas características estão muito além de um controle externo teórica e falsamente delegado.

Em uma das imprescindíveis páginas de "Mulheres que correm com os lobos: Mitos e histórias do arquétipo da mulher selvagem", Clarissa Pinkola Estés endossa esse posicionamento social proativo, na página 178, ao afirmar que "quando uma vida é excessivamente controlada, cada vez há menos vida a controlar". Tal frase pode ser enxergada sob o viés da procura por uma vida menos programada (sobretudo para quem prefere adiantar cada passo), bem como sob o viés do controle externo. 

Décadas, séculos e milênios atrás, filósofos lutaram para nos libertar das amarras impostas pelo poder constituído de seres costumeiramente privilegiados, mesquinhos e gananciosos. Seria a hora de voltarmos a deixar que nos amarrem novamente para que haja a garantia de dias felizes? Desta vez, certamente, não usarão cordas, mas arames grossos, farpados e venenosos, para que certifiquem a sutileza da causa que há por trás de toda história para bois (e toda a fazenda) dormir. Nos embriagarão com suas já obsoletas práticas da imposição do medo para assegurar a preservação mercado e escatológica que é resultado direto do autoritarismo.

Portanto, numa era de modismos originários e endossados no ambiente virtual, conclamo a sua atenção para atentar ao navio no qual embarca. Não entre na fila porque "todos estão fazendo isso". Seja humano e use suas bagagens neurais para ponderar se a moda que escolheu endossar compactua com o discurso que habitualmente defende. A não ser que queira vestir o colete da hipocrisia. Mas lembre-se de que ele não vai te proteger das grandes tempestades. Especialmente as internas.