domingo, 21 de setembro de 2014

Da fome (e da falta dela)

Sugestão de trilha sonora: Back to the Earth (Jason Mraz)

Há dias em que não sinto a fome de proteínas, carboidratos, potássio ou ferro. Há simples dias em que como para não ter que me preocupar em alimentar a indústria farmacêutica, que cresce no mesmo ritmo das doenças modernas (ambas pelo excesso de fome - seja de lucro, seja de atenção).

Das fomes que sinto, há bastante tempo invade-me a de conhecimento. Conhecer histórias, dramas, dharmas e comédias. Literais e literárias. Há ainda a sede de cantos. De pássaros (como os que escuto diariamente no caminho à academia e que me fazem parar, admirar e sorrir olhando para o céu que evidencia, sem cerimônias, o presente desembrulhado). De música. De colo. De pólos (e naquele em que houver menos provisões comerciais, pretendo me instalar).

Das vezes em que senti o tempo interno mudar, mesmo que em meio a uma caminhada plana, soube identificar a tal fome mental e emocional. A física não costuma vir junto. Ao contrário, ela se dissipa ou se manifesta apenas quando identifico o correr dos ponteiros que não me deixa esquecer o dia a caminhar independentemente da nossa necessidade de tempo.

Tenho sede de compreender. A inanição emocional que assola a humanidade. A verdade das idiossincrasias que nos cercam de arames farpantes e nem se preocupam em nos proteger da primazia de suas palavras cortantes. A falta de perspectiva que há muitos provoca angústias, à primeira vista, incompreensíveis. O humor alucinante em se provar superior, não importa quem seja o outro e qual a sua bagagem histórica.

Não tenho fome de certezas. Mas das dúvidas que me fazem querer seguir atrás de mais respostas, numa trilha que me levará a uma explicação incompleta até atingir o ápice da epopeia que é essa passagem temporária. Por isso, talvez, o organismo não sinta a tal necessidade do trabalho digestivo. Porque o resultado final é bastante previsível. 

Construí ao longo desta minha ainda jovem jornada um caminho baseado na gentileza e na disseminação das ideias, sobretudo daquelas que não se encontram na televisão ou nos quizzes das revistas de moda. Procuro, desde muito muito cedo, a utilidade. Gosto de ser útil. É um prazer incomensurável fazer-me presente em lembranças (de preferência as positivas). 

Não quero receber troféus, capas de revistas ou estátuas em bronze. Apenas quero fazer a diferença. Mesmo que seja por um sorriso, uma provocação sobre a trilha, um elogio despretensioso ou uma palavra compartilhada. Isso não é uma despedida. É uma constatação. Da fome e da falta dela. 

#Texto inspirado na leitura de "Na Natureza Selvagem", de Jon Krakauer, e no filme homônimo de Sean Penn.

sábado, 6 de setembro de 2014

Noivas, a esperança e o amor

Eu vejo noivas toda semana. Pela brecha da porta, pelas falas empolgadas que sibilam do buraco na maçaneta, no descer da escada do prédio ou até pelo cheiro inconfundível dos produtos de beleza que entregam a sua presença.

A cada vez que as sinto por perto é como se qualquer pensamento destoante daquela realidade meio mágica se dissipasse até uma das masmorras da Idade Média. Além disso, a rádio mental sintoniza baladas românticas dos anos 80/90, geralmente internacionais, que me fazem apreciar o brilho exalado na alegria que compartilham, propositadamente ou não.

De Peter Cetera aos Bee Gees, U2 a Elton John, Bryan Adams a Barbra Streisand. Todos compõem harmonias que orquestram pensamentos ao sabor de lírios iluminados (ando apreciando mais essa flor). Mas o que me traz essas sensações além de ver mulheres inspiradas e felizes em uma vestimenta que as deixa (independente do estilo) com uma esperança capaz de abraçar o mundo?

Elas me sintonizam, com seus sorrisos, a um canal de lembranças positivas. É como se a luz alheia me lembrasse de trocar as lentes gastas do cotidiano para as do tipo antirreflexo e anti-arranhões. Então, sigo caminhando pelo corredor até me pegar sorrindo, em frente à minha porta, com a chave na mão direita, pensando no quanto a situação corriqueira ainda me desperta estalos mentais.

Deixe-me contextualizá-los mais: desde pequena acredito no amor. Naquele romântico, com direito a flores, música tema e surpresas marcantes. Tive mil (ou talvez até mais, pois perdi a conta) motivos para desacreditar nisso. Vi pessoas que amo (no sentido real da palavra) serem estraçalhadas. Tive de segurar pontas alheias desde muito nova (quando ainda os dentes eram de leite). Sabia o que via e sabia que aquilo não era certo. Não correspondia às músicas e aos filmes a que constantemente assistia.

Pudera, Endie! Eram filmes e músicas! Cenários irreais! Irreais até que ponto, afinal? Não me deixava abalar! Mesmo sabendo que o "primeiro amor" de infância, o Daniel San, não era real e tinha, na verdade, a idade da minha mãe (que decepção saber que me encantei pela reprise do filme... enfim, crescer também dói), eu não desisti do amor de hamsters no estômago, de sorrisos bobos e de boas lembranças. Daquele amor que quando a música dos dois toca é como se nenhum remédio pudesse ter tamanho efeito diante de alguma dor como aqueles acordes o fazem.

Fui crescendo, o tempo deixando certas certezas de lado e a vida me mostrou que há mais amarguras que romanticismos na estrada. Crueldades disparadas ao vento atingem o alvo e os espectadores, entre eles lá eu estava. A posição forte da emoção começava a ampliar espaço à razão. Amor racional, de pés no chão e bolhas sob o sapato. Segui vendo acidentes emocionais alheios, mas a sede pela esperança me domava a decepção. Por isso, fui tachada (através de olhares repreendedores e palavras debochadas) de ingênua.

Pobre de exemplos próximos, fui deixando de lado a capa da invisibilidade e partindo aos campos vazios da desesperança. Fui até o meio do campo de batalha. Não tive o coração quebrado. Apenas não tive o coração pulsando no ritmo de alguma música. Não compartilhei a tal emoção que nos deixa sem ar e sem melanina. Esvaziei o músculo cardíaco e provei o gosto amargo da desilusão. 

No fundo da alma, a última gota de esperança no amor ainda estava lá. Tive de quebrar o vidro de emergência para usá-la. Não me lembro exatamente o que me deu o estalo. Talvez a fase mais difícil pela qual tive de passar, emocionalmente falando, com a pessoa mais especial da minha vida me tenha feito acordar. Despertei, mesmo me desequilibrando aos poucos, sem saber dosar ao certo o que poderia ser real ou ilusão. 

Segui em frente, mudei-me (de cidade e de aspectos da personalidade) e me vi em situações de impacto. Encarei alegrias e quebradas feias de cara. Chorei, sorri, chorei de novo e sorri novamente, mesmo com os machucados ainda sarando. O que me dá direito a mais uma vida (como aquela dos jogos de Mário Bros, Sonic ou Donkey Kong) é a fé na esperança. Há de se acreditar em algo para poder viver de pé. E eu acredito no amor. Na esperança de que ele é a razão primordial para que tudo o que nós conhecemos exista.

Sem entrar em detalhes sobre aspectos religiosos, acredito no amor maior. Se Deus/Buda/Alá/Khrysna/Ser Supremo nos ama a ponto de nos permitir escolhas por que seguir na reta da amargura? Por isso, quando vejo seres amando e se permitindo curtir momentos desejados eu recarrego minha fé na humanidade. Parece pouco. Mas para mim um sorriso sincero alheio é suficiente para alimentar o apetite em ser feliz. 

Ando com sede e fome de prazeres pequenos: da risada boba no celular àquela compartilhada em meio à louca correria no ambiente de trabalho. Seres humanos são seres complexos. Com uma pesada tendência ao egoísmo e ao massacre emocional. Mas ainda não desisti deles. Com véu e grinalda ou de jeans e camiseta o importante é não deixar de se sentir parte dessa grande escola, cujas provas vão ficando mais e mais difíceis e cujos professores podem ser todos ao redor. Entretanto, o melhor deles costuma estar, normalmente, dentro da nossa própria estrutura. 

Pegue tua chave, sinta os cheiros do ambiente e escolha as trilhas (musicais e de concreto) que te fazem sorrir (mesmo que apenas internamente). Não desvie o olhar do que almeja. Descarte pensamentos negativos e acredite no amor. Mesmo que seja impossível defini-lo, é impossível viver sem senti-lo. Tenho observado isso há quase 29 anos. E, pelo visto, seguirei assim acreditando.