A cada vez que as sinto por perto é como se qualquer pensamento destoante daquela realidade meio mágica se dissipasse até uma das masmorras da Idade Média. Além disso, a rádio mental sintoniza baladas românticas dos anos 80/90, geralmente internacionais, que me fazem apreciar o brilho exalado na alegria que compartilham, propositadamente ou não.
De Peter Cetera aos Bee Gees, U2 a Elton John, Bryan Adams a Barbra Streisand. Todos compõem harmonias que orquestram pensamentos ao sabor de lírios iluminados (ando apreciando mais essa flor). Mas o que me traz essas sensações além de ver mulheres inspiradas e felizes em uma vestimenta que as deixa (independente do estilo) com uma esperança capaz de abraçar o mundo?
Elas me sintonizam, com seus sorrisos, a um canal de lembranças positivas. É como se a luz alheia me lembrasse de trocar as lentes gastas do cotidiano para as do tipo antirreflexo e anti-arranhões. Então, sigo caminhando pelo corredor até me pegar sorrindo, em frente à minha porta, com a chave na mão direita, pensando no quanto a situação corriqueira ainda me desperta estalos mentais.
Deixe-me contextualizá-los mais: desde pequena acredito no amor. Naquele romântico, com direito a flores, música tema e surpresas marcantes. Tive mil (ou talvez até mais, pois perdi a conta) motivos para desacreditar nisso. Vi pessoas que amo (no sentido real da palavra) serem estraçalhadas. Tive de segurar pontas alheias desde muito nova (quando ainda os dentes eram de leite). Sabia o que via e sabia que aquilo não era certo. Não correspondia às músicas e aos filmes a que constantemente assistia.
Pudera, Endie! Eram filmes e músicas! Cenários irreais! Irreais até que ponto, afinal? Não me deixava abalar! Mesmo sabendo que o "primeiro amor" de infância, o Daniel San, não era real e tinha, na verdade, a idade da minha mãe (que decepção saber que me encantei pela reprise do filme... enfim, crescer também dói), eu não desisti do amor de hamsters no estômago, de sorrisos bobos e de boas lembranças. Daquele amor que quando a música dos dois toca é como se nenhum remédio pudesse ter tamanho efeito diante de alguma dor como aqueles acordes o fazem.
Fui crescendo, o tempo deixando certas certezas de lado e a vida me mostrou que há mais amarguras que romanticismos na estrada. Crueldades disparadas ao vento atingem o alvo e os espectadores, entre eles lá eu estava. A posição forte da emoção começava a ampliar espaço à razão. Amor racional, de pés no chão e bolhas sob o sapato. Segui vendo acidentes emocionais alheios, mas a sede pela esperança me domava a decepção. Por isso, fui tachada (através de olhares repreendedores e palavras debochadas) de ingênua.
Pobre de exemplos próximos, fui deixando de lado a capa da invisibilidade e partindo aos campos vazios da desesperança. Fui até o meio do campo de batalha. Não tive o coração quebrado. Apenas não tive o coração pulsando no ritmo de alguma música. Não compartilhei a tal emoção que nos deixa sem ar e sem melanina. Esvaziei o músculo cardíaco e provei o gosto amargo da desilusão.
No fundo da alma, a última gota de esperança no amor ainda estava lá. Tive de quebrar o vidro de emergência para usá-la. Não me lembro exatamente o que me deu o estalo. Talvez a fase mais difícil pela qual tive de passar, emocionalmente falando, com a pessoa mais especial da minha vida me tenha feito acordar. Despertei, mesmo me desequilibrando aos poucos, sem saber dosar ao certo o que poderia ser real ou ilusão.
Segui em frente, mudei-me (de cidade e de aspectos da personalidade) e me vi em situações de impacto. Encarei alegrias e quebradas feias de cara. Chorei, sorri, chorei de novo e sorri novamente, mesmo com os machucados ainda sarando. O que me dá direito a mais uma vida (como aquela dos jogos de Mário Bros, Sonic ou Donkey Kong) é a fé na esperança. Há de se acreditar em algo para poder viver de pé. E eu acredito no amor. Na esperança de que ele é a razão primordial para que tudo o que nós conhecemos exista.
Sem entrar em detalhes sobre aspectos religiosos, acredito no amor maior. Se Deus/Buda/Alá/Khrysna/Ser Supremo nos ama a ponto de nos permitir escolhas por que seguir na reta da amargura? Por isso, quando vejo seres amando e se permitindo curtir momentos desejados eu recarrego minha fé na humanidade. Parece pouco. Mas para mim um sorriso sincero alheio é suficiente para alimentar o apetite em ser feliz.
Ando com sede e fome de prazeres pequenos: da risada boba no celular àquela compartilhada em meio à louca correria no ambiente de trabalho. Seres humanos são seres complexos. Com uma pesada tendência ao egoísmo e ao massacre emocional. Mas ainda não desisti deles. Com véu e grinalda ou de jeans e camiseta o importante é não deixar de se sentir parte dessa grande escola, cujas provas vão ficando mais e mais difíceis e cujos professores podem ser todos ao redor. Entretanto, o melhor deles costuma estar, normalmente, dentro da nossa própria estrutura.
Pegue tua chave, sinta os cheiros do ambiente e escolha as trilhas (musicais e de concreto) que te fazem sorrir (mesmo que apenas internamente). Não desvie o olhar do que almeja. Descarte pensamentos negativos e acredite no amor. Mesmo que seja impossível defini-lo, é impossível viver sem senti-lo. Tenho observado isso há quase 29 anos. E, pelo visto, seguirei assim acreditando.
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