O que você precisa deixar fluir? Com essa pergunta proposta, passei a semana a refletir. Poderia escolher situações, pessoas, angústias passageiras, dores físicas ou nomear uma vasta lista de tudo o que me trava a consciência, a mente e o coração. Porém, ao inspirar profunda e calmamente consegui expirar o que me incomoda, o que causa furo e arranhões nos sapatos. É a inveja. Não a inveja natural, aquela que nos faz admirar algo ou alguém e simplesmente desejá-lo. É o nível agudo dela. Talvez a sua forma doentia.
Desde os primórdios da civilização, quando uns conquistavam uma caça melhor do que a outra, o homem almeja melhorar o seu quintal. Afinal, a grama do vizinho é sempre a melhor, não é? À essa "regra" existem exceções, claro. Com isso não proponho que a minha grama é melhor do que a dos outros. Apenas, é minha. É personalizada. Logicamente, aprendo com os vizinhos: onde compram os arranjos dos quais gostei de apreciar, os adubos, as flores. Mas o que torna prazeroso olhar meu jardim é admirá-lo pela capacidade em combinar o que aprendi com os demais para criar o que me apetece.
Só que há vizinhos preguiçosos, daqueles que afundam em suas cadeiras gastas de praia, que preferem apontar os dedos flácidos (pois não exercitam mais o corpo, tamanha preguiça) para os defeitos dos quintais alheios. "Está vendo só aquele arranjo cafona?" (enquanto não enxerga o seu anão de jardim quebrado). "Quem já viu jardim de escola de samba? Todo colorido!" (enquanto despreza a sua rosa que clama por um gole d'água). "Sistema de irrigação importado, é? Só para se amostrar!" (enquanto as pragas detonam os seus frutos).
O conforto do desapontamento alheio (convenhamos, realizado de maneira neeeem sempre justa) advém com a falta de prática da observação interna. E quando isso se torna uma chave para todas as suas justificativas de vida, então, caro (a) leitor (a), está aí a praga que anda afetando os quintais da nossa vila: inveja crônica sedimentada nos confins dos corações amargurados pela simples vontade em não aprender. Entendo que o aprendizado demanda esforço, dedicação, e isso pode cansar. Mas não se sente bem quando realiza algo por si mesmo? Quando alcança aquele objetivo? Quando a dificuldade passa e você finalmente atende o seu próprio desejo?
Somos movidos a sonhos. Os da padaria, os da livraria, da vaga em um órgão público, do coração preenchido, da casa vendida, da paz alcançada, da saúde almejada, da viagem tão planejada, e até do sorriso sincero conquistado. E o que nos faz melhor ou pior do que os outros se não a maneira como atingimos os nossos objetivos? Por isso, proponho a mim mesma (e a quem quiser participar dessa jornada): olhar, admirar e observar bem o que nos outros quintais poderiam me interessar. Verdadeiramente, não por cobiça. Então, correr atrás, mas em um fair play. Sem querer esmagar a linda orquídea alheia ou entupir o cano da fonte vizinha.
Pensamentos mais limpos ajudarão nessa jogada. Sendo assim, é bom instalar alertas internos de pressão. Quando vier aquela vontade de querer fuzilar o outro só com o olhar, limpe os globos oculares! Apertar o pescocinho da coleguinha, entrelace seus dedos (como em um abraço de mãos)! Especialmente, quando quiser falar mal de alguém, dobre a língua e faça-a tocar no céu da boca, respirando fundo, fechando os olhos e mentalizando o quanto é bom o fato de ter saúde, estar vivo e poder reconhecer capacidades em você mesmo.
A inveja continuará a me incomodar. Sobretudo a que advém de agressões gratuitas em troca de intimidação social. Porém, o fato de buscar cuidar do meu quintal da melhor maneira possível tenho certeza de que mudará as condições internas de deixar muitas coisas fluírem. As macieiras, amoreiras e cerejeiras poderão brotar bons e apetitosos frutos. É só saber regá-las com doses de paciência, respiração e inspiração. Cuidemos dos nossos jardins, então!
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