Ando percebendo uma certa fome diferente. De algo que há um bom tempo não tenho em meu menu semanal.
O cardápio, sempre bastante saudável, e até motivo de chacotas pelos colegas mais próximos (por se mostrar "leve demais"), parece não estar mais surtindo o efeito desejado. O estômago tem agradecido, mas as papilas gustativas têm protestado. E com elas não posso brincar, pois quando se perde o gosto, perde-se a boa caminhada!
O protesto delas é justo. Justíssimo, diria. Mas acho que tentar neutralizá-las por mais de 2 anos seguidos deve tê-las feito acordar aos poucos.
O cérebro não sabe mais o que fazer, pois o coração, seu parceiro à altura, palpitando seriamente desde sempre, parece andar meio distraído.
O pulmão manda e desmanda oxigênio para a garotada do centro. As artérias pulsantes caminham entre os conflitos internos, enquanto as veias retornam deles carregadas de boatos de uma possível rebelião.
Tudo isso em razão da tal fome estranha.
Mas devo dizer que, por mais que seja diferente, ela não é ruim. Pelo contrário, faz tão bem aos órgãos internos (e externos) que poderiam até me conceder uma condecoração digna de nobreza, caso conseguisse saciá-la.
Não a saciedade plena, pois que ela não existe. Não em realidades de carne e osso. Mas ela é instigante e deve ser alimentada aos poucos (nunca chegando ao topo, para não perder a graça da aventura).
Então, começo a pensar no que fazer para encontrar o tal prato que faça a diferença nesse menu semanal.
Até agora pensei apenas em deixá-lo, quiçá até quando, chegar até mim pelo simples acaso. Porém, o senhor acaso anda tão ocupado em encontrar uma maneira pacificadora de resolver conflitos pesarosos que não acredito ter a chance de ele me entregar a encomenda.
Ademais, não estou sozinha nessa busca. Andam aparecendo voluntárias entusiasmadas em resolver essa ausência de prato novo.
A animação é tamanha que andam dizendo que a solução está bem debaixo de meu nariz, mas que este parece não querer sentir o novo cheiro. Algumas acreditam que é pelo fato de ele estar acostumado com os mesmos temperos diários, outras me dizem que devo reativar a função olfativa para o modo 'novidade'.
E em meio à exaltação alheia começo a entrar no debate das papilas (hiperativas e) gustativas:
- Meninas, o que preferem?
- Como assim? Você já sabe o que preferimos: inovação!
- Sim, disso eu já sei.
- Então?
- O que quero saber é se possuem alguma preferência de gosto! Doce ou salgado? Azedo ou amargo?
- Bom, você sabe que você mesma não é chegada muito em doces.
- Só em medidas contidas, sem muita adição de açúcar, de preferência mais natural possível.
- Isso, isso. Salgados são sempre bem-vindos, mas sem exageros de sódio (esse veneno maledeto)! E se possível sem molhos exagerados. Você não é chegada nos "mares de molhos".
- Ok, lembro-me disso.
- Descartamos o amargo de cara! Sem amargura, sem problemas!
- Devidamente anotado!
- Quanto ao azedo, bom, este pode ser bem recepcionado, desde que não esteja vencido.
- Como assim?
- Oras, Endie, nós não aguentaremos mais gostos azedados que estejam acima do limite do tempero salutar. Lembre-se sempre de que a sua essência é saudável. Não a mude em nome de qualquer chefe que apareça com uma nova receita de quinta (cheia de molho barato ou de doçura enjoativa)!
- Vocês são determinadas, papilas! É bom poder ter a sua companhia.
- Sabemos disso. E agradecemos o seu reconhecimento!
Após a consulta, ando mais atenta às indicações exaltadas das voluntárias. Pois até que ponto devo encarar novidades que, a priori, parecem ser bem diferentes do que me "autoindicaria"?
Claro que inovar é tentador. É desafiante, admito. Porém, até que ponto é estimulante?
Sou uma alguém, em geral, animada. Tanto que chego a ponto de apostar uma corridinha com partículas subatômicas (mesmo aquelas que, aparentemente, foram citadas como mais velozes do que a luz).
Mas a animação é contida quando se trata de riscos maiores do que o de mudar a posição da mesa de jantar, ou de alterar a quantidade de determinado ingrediente na sobremesa tradicional.
Incluir um ingrediente novo é uma coisa, uma receita nova (talvez nova para mim, mas já manjada e, quiçá, aprovada por outras pessoas) é um desafio e tanto!
E se as papilas não gostarem?
Elas foram tão prestativas, mesmo que a sua maneira, comigo! Não gostaria de fazê-las trabalhar por um gosto amargo (contra o qual elas deixaram bastante clara a sua repulsa)!
Se por um lado a senhora apreensão bate à porta do meu restaurante, por outro o senhor risco parece querer entrar pela porta dos fundos. E disse estar acompanhado da senhorita esperança.
E cada qual que busque entrar apressadamente para defender seus argumentos.
O que esta libriana sabe é que a senhora escolha está sempre de braços dados com a senhora dúvida. São tão amigas que aposto que são bastante confundidas por aí.
E em meio a todas as expectativas alheias, a interna pede espaço para respirar e fazer a sua própria escolha, a do prato inovador que melhor sacie, a priori, as papilas (hiperativas e, acrescento ainda, seletivas) gustativas.
2 comentários:
Endie, querida!
Talvez as suas papilas estejam precisando de um toque de especiarias... uma de cada vez, como gengibre, canela, alho, cebola, tomilho, orégano, páprica doce, noz moscada, coentro... isso não influencia no sal nem no açúcar e combina perfeitamente com frutas e legumes.
=)
Ôoo, Katy!
Muito obrigada! Tenho certeza de que as meninas adorarão as suas dicas!
Sabe, as papilas são temperamentais, mas no fundo elas me ajudam a procurar apenas o que possa ser diferente sem me prejudicar. Se possível, acrescentando um sabor mais gostoso ao dia-a-dia. ;)
Beijos!
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