segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Os Miseráveis: (ainda) somos nós

Na bilheteria de um cinema brasileiro:

Endie: Uma inteira para Os Miseráveis, por favor.


Bilheteiro: Moça, é um musical, viu? (com olhar meio apreensivo)


Endie (meio confusa): Eu sei. Na verdade é a segunda vez que estou vendo. 


Bilheteiro: Ah, estou avisando porque fui orientado.


Endie: ...


Bilheteiro: É que algumas pessoas pediram a devolução do ingresso porque não sabiam que era um musical.


Endie: =O


Pensamento na volta para casa: Muitos brasileiros, infelizmente, (ainda) não estão preparados para assistirem a uma produção além das porradas, peitos siliconados, histórias vazias e efeitos especiais dos cinemas enlatados.


Os estereótipos são a base da vivência humana.


O da mulher gostosona (que é "melhor" do que a sua namorada, mesmo sendo quase 1% original de fábrica).


O do homem toradão (que parece só enxergar as máquinas de malhar braços na academia).


O da loira burra.


O do Nordestino.


O do gay.


O da fofoqueira.


O do gordo.


O da religiosa.


E poderia seguir com vários exemplos aqui. Mas não vou me estender. Não quero pôr lenha na fogueira. Na fogueira das vaidades mesmo, pois sei que são bastante delicadas.


O que me surpreende (num hall quase infinito de surpresas diárias, admito) é no que a estereotipagem se transformou; apesar de saber que sempre houve a necessidade humana de definir coisas e pessoas (como numa espécie de fixação para confirmar a sua própria existência).


Digamos que o estereótipo e a definição tornaram-se irmãos siameses. E isso é um tanto perigoso. Tanto quanto dizer que Nietzsche era um cristão fervoroso (perdoe-me, oh filósofo, mas tive que apelar devido à gravidade da situação!).


Limitar alguém pela sua maneira de vestir, de se comportar em determinado lugar, de comer ou de falar é ser infeliz. Evoco a infelicidade como uma busca pelo incômodo no peito mesmo. Afinal, nada pior do que ser posta numa lata de sardinhas porque alguém quer te ver assim.


Definir um ser humano é, para mim, quase impossível. Para a maioria das pessoas não o é. Afinal, bastam poucos segundos de olhadas (de cima para baixo, de lado a outro) para algum(a) colega seu/sua fazer um resumo de quem é o desconhecido.


Acho que fica mais fácil encaixar em padrões do que se deixar intrigar, aventurar-se em conhecer melhor o outro. Não num sentido psicanalítico, mas amigável mesmo (juro que as minhas intenções são as melhores - mesmo quando pisam com bastante força no meu pé).


O limite pulsa nas artérias como o oxigênio que nos mantém vivos. O nosso limite, as nossas barreiras, nos impõe quase uma obrigação moral de encaixotar o outro.


Afinal, por que ser mais do que meus olhos poderiam ver? Ou minha mente tão brilhante (quantos não acreditam nisso?) poderia pensar?


E sabe o que é a grande catástrofe (sem querer ser Maria do Bairro, mas já sendo) disso tudo? É ver que as pessoas "compram" o que outros vendem delas mesmas.


Não, espera! É melhor tirar as aspas porque o negócio está tão sério que o correto é tirá-las.


Então, as pessoas compram o que os outros vendem delas mesmas.


A compra se realiza por dinheiro, por troca de participações em grupos, por carência e por uma lista quase infindável de desculpas tristes que ampliam a cada dia.


Pare, Endie! Pare esse discurso miserável de que não temos opção de sermos quem somos, porque...


Não! Calma aê! Eu não disse que o mundo está perdido para sempre e que seremos servos de nossas próprias mentes rotulantes! Nem disse que os Maias erraram o fim do mundo e ele deve chegar em algumas semanas!


O que quero deixar claro (e trazer à baila) é o fato da nossa sociedade deixar-se render pelo encurtamento do pensar. É mais conveniente e cômodo não refletir. Afinal, por que comprar o trigo, o fermento, o sal, o molho, etc. se é muito mais fácil (e aí mora o perigo) levar a comida congelada (e reparem que são quase naturais e nem contêm glúten! ... Sei, sei!)?


A facilidade de não exercitar os neurônios (que andam se digladiando com tanta força dentro de milhares de mentes fracas que encontramos por aí, ao nosso lado ou na mídia... ah, essa é muito boa mesmo de espalhar o vírus da estereotipagem!) é tentadora!


O que é mais fácil a gente leva (sem devolução) por conta da tal falta de tempo. Não é mesmo?


Infelizes daqueles que fazem do Big Brother Brasil (só para citar um exemplo de estagnação cerebral) parte de suas vidas felizes (?).


Isso porque é melhor observar o outro escovando os dentes ou pegando fulano na festinha promovida pelos patrocinadores (vociferantes pelo seu poder de compra) do que se encontrar com os seus próprios neurônios perdidos nessa batalha diária pela sobrevivência.


Começo a acreditar que os miseráveis da história não são os de Victor Hugo, mas os nossos conterrâneos da era bost-moderna. (É bost mesmo, aos que poderiam pensar que errei no toque do notebook! Até porque "p" e "b" ficam distantes e não haveria como não ter intenção de satirizar). 

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