No final de agosto, durante um curso no trabalho, um colega, após ser apresentado ao meu blog, me perguntou em tom bastante jocoso o porquê de eu ser tão séria nos meus textos. Ele também questionou o nome do blog e o fato de eu não incluir fotos minhas de biquíni, podendo, por conta disso, trocar o nome dele para Práxis de uma moça sexy.
Mulheres ao redor soltaram risadinhas e, quando argumentei de maneira defensiva, algumas me disseram para atenuar a minha reação, pois se tratava apenas de uma brincadeira do colega. Até que ponto um machismo encoberto de falso humor deve ser encarado simplesmente como uma jocosidade? Sobretudo quando o comentário demonstra total falta de respeito com o lado intelectualizado da mulher.
Meu cérebro sempre tendeu a ser muito mais criativo e crítico do que os da maioria de minhas colegas. Isso faz de mim um ser mais evoluído e consequentemente um ser esnobe e prepotente? Ao menos é essa a questão implícita do macho-alfa quando me leva a acreditar que devo expor minha carne ao invés do meu intelecto. Para quê pensar quando se é mulher, não é? Afinal, dá uma sensação de empoderamento e isso é necessariamente ruim, ao menos quando se nasce com útero e ovários.
Essa práxis constante de ser doutrinada a pensar menos e se exibir mais é não apenas um embrulhar de estômago mas um câncer social que se espalha e se enraíza mais profundamente, mesmo em uma contemporaneidade avassaladora em termos científicos e tecnológicos. A mim é paradoxal perceber uma constante evolução técnica e um paralelo e crescente retrocesso social. E ninguém precisa ser um Bolsonaro (símbolo-mor brasileiro da representação do que há de pior na luta contra o ser feminino e o ser humano) para ser considerado um machista inconveniente (ok, há redundância no adjetivo, mas a ênfase se faz necessária).
Uma sociedade retrógrada não se faz com vestimentas pesadas, uso de bastões de madeira ou vivência em cavernas. Ela acontece justamente com a adesão de valores primitivos nivelados à bestialidade. Alguns dos comentários a seguir foram proferidos por homens e, sobretudo, mulheres em diferentes situações de minha vida, direcionados ou não a mim.
"E aí, já casou? Tem filhos?". "Você tem que arrumar alguém para casar logo, porque com 30 anos a história começa a mudar, viu?" "Você é bonita, não deveria ter dificuldade para arranjar alguém". "Tão nova e tão séria, você não deveria ser assim." "Você é muito corajosa de viajar sozinha e de morar só." "Querida, foi você que fez o suco? Está uma delícia. Que mais você sabe fazer?" "Não seja tão agressiva, homens não gostam de mulheres assim (após se pronunciar politicamente em uma conversa)." "Você tem 30 anos? Pretende ter filhos quando? Porque sabe, né? Os óvulos..." "Essas mulheres feministas são umas frígidas machonas." "Você tem que se arrumar mais, homens não gostam de mulheres que não se cuidam." "Graças a Deus você conseguiu alguém, agora vê se não faz nada de errado, hein? Porque você sabe como está difícil arranjar homem hoje em dia." "Hoje fiz almoço de novo, foi uma manhã bem puxada, mas meu marido só gosta de comida fresquinha. Mas quem não gosta, né?" "Você gosta de cozinhar pra você mesma? Como assim? Cozinhar é sempre melhor a dois, com um parceiro"... e tantas outras conversas fiadas que um ser feminino escuta ao longo de sua vida.
Um(a) machista comum, não do tipo extremista, é aquele ou aquela que acrescenta a conjunção "mas" logo após dizer que apoia as mulheres. "Sou a favor da causa feminista, mas tem mulher que é difícil demais." "Sou contra a violência doméstica, mas tem mulher que pede para apanhar." "Não sou machista, mas já ouviu a nova piada da loira burra?".
Esse cenário dói. Na alma, no coração, na espinha dorsal. Quem sustenta comentários a priori defensivos incorporados de "mas" declara-se incapaz de qualquer raciocínio argumentativo. Quem apoia não diz "mas". Quem apoia faz, é, age. Não dispara flechas enquanto sorri em tom de amarelo.
Ser mulher é mais do que vestir uma calcinha, pôr um sutiã e escolher o estilo de penteado do dia. É sair de casa diariamente, ou ligar o computador, com um mínimo de preparação para ser alvo de piadas, comentários machistas ou cobranças sociais. Além do constante medo de ser estuprada na rua, levar cantadas grosseiras (que geralmente nos comparam a comidas) e com isso sentir-se intimidada, ou ser ameaçada na internet (como nos casos de Letícia Sabatella e Joanna Maranhão) e ter que escutar de "autoridades", como o chefe de Estado pernambucano (leia aqui), que a culpa por tudo isso é da mulher.
Por essas razões, medos, embates e questionamentos frívolos e arcaicos é que seguirei sempre defendendo que ser mulher é como ser defensora pública em causa própria, 24 horas, enquanto sobrar ar nos pulmões. A labuta é pesada e o reconhecimento social praticamente não existe. Porém, o provento suado chega com rendimentos tímidos mas necessários para que o ser mulher não chegue a entrar numa lista de espécie em extinção, com direito a fotos em pôsters dos aeroportos.