sábado, 24 de novembro de 2018

O Bolero e a bicicleta: sobre os prazeres que a vida pede

Em dois dias, ontem e hoje, oportunizei-me momentos necessários de (re)descoberta. Que foram lindos em suas próprias particularidades. Começo pela descrição do cenário, ou melhor, da rota até o primeiro cenário.

O dia era de chuva intermitente e frio, contexto visual e sensorial previsto no outono. As atividades anteriores renderam o esperado em termos de estudos. Nem mais, nem menos. Entretanto, o cume da expectativa chegaria à noite. 

Sem muitas cerimônias, o tal momento era a apresentação ao vivo da minha música clássica preferida, o Bolero de Ravel. 

Desde pequena, de criança mesmo, essa peça me emociona e me impulsiona a sorrir com os olhos marejados. Para quem não a conhece, uma sincera sugestão musical. Sim, é uma música longa, mas para mim ela possui o tempo exato para retratar simbolicamente a caminhada pela qual passamos em nossos projetos de vida. 

Começamos a passos lentos, por vezes inseguros, com uma marcha tímida que vai tomando vida a cada nova descoberta de sons, de notas, de erros e acertos. Além disso, cada novo instrumento que acompanha essa jornada traz um equilíbrio notável e essencial para que a grande sinfonia do projeto tome forma. 

É nesse cenário que a música cresce e se engaja na mistura de sentimentos e sentidos acumulados e (alguns) ainda não explorados interna e/ou externamente. Há reação imediata e incontrolável quando da entrada de todos os instrumentos de corda e de sopro. A finalização com as percussões nos faz desfincar os pés da zona de conforto que até o momento nos impede de arriscar a mudança imprescindível para a realização do desejo almejado.

Eis minha interpretação do Bolero, que ontem me foi apresentado na versão ao vivo pela primeira vez e tocado pela Orquestra Nacional de Bordeaux Aquitaine. Antes da chegada a esse evento, a lua cheia cintilava pela janela do tram lotado, enquanto, sentada estava, ouvia a proposta da playlist do Spotify na qual Janis Joplin me lembrava de sua valiosa contribuição musical com a canção Mercedes Benz. 

A voz ragada de Joplin parecia contrastar harmoniosamente bem com o cenário no qual as rochas lunares estavam tão à mostra quanto a interpretação gutural da cantora. Neste ponto preciso do caminho, antevi a escrita do presente texto e sabia igualmente que não teria as palavras exatas para refletir o que sentia. 

Nem o frio chuvoso ou os três caras com as pernas escancaradas que se sentaram à minha frente atrapalharam o prazer que estava por vir. No auditório, fui recepcionada por lembranças apetitosas de quando estivera há alguns meses com minha mãe, numa apresentação do coral da ópera local. 

Após o ensaio de alguns instrumentos, os quais despertavam as notas que me haviam acelerado muitas vezes os batimentos internos, Ravel (ainda não o Bolero, que seria deixado inteligentemente para o final) e Debussy encantaram a plateia formada por gerações das mais diversas. Foram cerca de 1h40 de espetáculo, cerca de 15 minutos dos quais dedicados ao Bolero. 

Quando me dei conta de que era chegado o momento, sabia que meu rosto estava totalmente entregue à emoção do que há tanto aguardava. Com cada trecho da música eu descobria os instrumentos vários que integravam aquela peça e me apaixonava ainda mais por ela. Como música é algo tão precioso!

Na expectativa pela correspondência das notas já conhecidas, dois instrumentos não foram tão precisos quanto o esperado. Entretanto, tratei logo de pensar que assim como na vida nossas trilhas têm falhas a música não deixaria de ser sublime por conta disso. 

Assim, ao atingir os últimos minutos majestosos com a integração de todos os instrumentos da sinfônica, eu tinha a certeza de que minha alma pertencia àquela música e de que poderia me entregar aos sentimentos mais fortes que me fossem despertados por ela. 

Toda essa mistura de emoções foi entrelaçada a lembranças de momentos da infância, da adolescência e da vida adulta. De memórias com pessoas que tornaram possível a minha chegada até aquele extraordinário momento.

A volta para casa foi sublimada pela chuva que caia. Ah! E como estava bela a fachada da Cathédral Saint-André! Sim, ainda há muita beleza a ser reparada na cidade que aprecio tanto. Sabia que aquilo era felicidade e isso me deixou alerta às próximas escolhas de rotas no cotidiano.

Pela manhã, ainda enebriada pelo calor do espetáculo, decidira tirar da linha do desejo a ideia de retomar os passeios de bicicleta, tão presentes na minha infância. Após cerca de 15 anos sem fazê-lo cotidianamente, aluguei o dispositivo e com o equilíbrio meio tenso fui sorrindo pelo caminho da minha vizinhança cuja luz do Sol combinava com a fraca presença de pessoas no ambiente. Precisava de espaço e de menos barulho possível para poder aproveitar bem a retomada do que outrora me satisfazia.

Foram cerca de 30 minutos para perceber que aquilo também deveria integrar o meu cotidiano. As pernas doerão, bem sei, após a ladeira desconhecida e as pedaladas bambas, mas esses fatos não impedem o desejo de seguir retomando o que me faz reagir positivamente às manifestações da vida. 

Para escutar a minha versão, até agora preferida, do Bolero de Ravel (que há apenas algumas semanas descobri que era francês. Essa conexão não é à toa...), encantadoramente tocada pela Orquestra Sinfônica de Londres: 



sábado, 20 de outubro de 2018

33 fatos que aprendi até os 33

1. É fundamental respeitar a sua própria opinião. Mas ter coragem para mudá-la, quando necessário, é bem nobre.

2. O gosto para comidas e bebidas transforma-se ao longo dos anos, e te surpreende em vários sentidos. Dica: permita-se conhecer novos sabores. É uma experiência fundamental.

3.  Realizar um grande sonho de infância é maravilhoso e emocionante. Vale (muito) a pena correr atrás. Superar obstáculos é muito difícil, mas o resultado final dá um poder fodástico!

4. Os conselhos de minha mãe estão corretos 95% do tempo. E às vezes é bem difícil admitir isso. Ah, os outros 5% equivalem a minha parte mais diplomática que ela diz que não tem tanto quanto eu.

5. Dica de investimento: seja poliglota. É muito bom ser independente em termos de viagens e poder conhecer outras culturas com menos filtros possível.

6. A música é o maior amor (imaterial) da minha vida.

7. Voltar a estudar depois dos 30 anos, sobretudo estudos universitários, é um desafio incrivelmente fabuloso.

8. Comunicação é apaixonante. Apesar do desafio cotidiano que tenho nessa área, eu amo a minha escolha profissional. Se puder amar o que se faz, com todos os seus altos e baixos inclusos, faça-o.

9. Morar longe, bem longe mesmo, da família e de todos que conhece e ter uma nova vida no exterior é difícil pra chuchu! Entretanto, faz um bem arretado e nos faz evoluir pessoal e profissionalmente de maneira inimaginável.

10. Quando a morte de alguém que se ama tanto chega, não há como prever o tamanho da dor da saudade que se terá tempos depois do falecimento. A dor é única e, por vezes, dá medo. Porém, é muito muito bom saber que você soube valorizar esse amor.

11. Se puder, vá ao menos uma vez por mês ao teatro (para ver peças, concertos e/ou óperas). É enriquecedor energizar o cérebro com cultura.

12. Não tenha vergonha de se emocionar e nem de chorar quando necessário. É humano viver o que se sente de verdade. Dica: emocione-se musicalmente. É uma experiência assustadoramente maravilhosa.

13. Não deixe ninguém te desmerecer ou te desrespeitar. Ninguém. Revide quando valer a pena. E você vai saber quando realmente valerá.

14. A perda do equilíbrio emocional, o estresse, não vale a pena. Nunca. Não vai melhorar a situação e nem fazer você esquecê-la.

15. Detesto quando alguém desfaz dos outros. Discordar de opinião ou não gostar de alguém é um direto de cada um. Mas partir para o desrespeito é cruel.

16. Não queira a perfeição. É estúpido e nunca vai acontecer. Dar o melhor de si é diferente de querer ser perfeito.

17. Gosto muito de fazer as coisas corretamente. Espírito de justiça (libriano ou não) segue firme.

18. É muito bom caminhar e prestar atenção nas pessoas e nas paisagens. Observar o mundo é um experiência essencial.

19. Sou uma pessoa muito carinhosa e atenciosa. Isso não é por ser brasileira, nem por ser nordestina. Tem a ver com a criação. Tem a ver com minha bagagem histórica. E tenho orgulho de ser assim.

20. Os 20 anos foi a fase mais difícil e turbulenta em muitos sentidos. A fase dos 30 está sendo incrivelmente poderosa.

21. Fazer terapia é fundamental. Em qualquer momento da vida.

22. Tenha mais de um ciclo de amizades. Vale e muito a pena.

23. Seja independente. É maravilhoso.

24. Tenho um orgulho danado de ser feminista. E isso tem super a ver com a questão da independência (n. 23).

25. Nunca fui materialista. Querer mais coisas materiais nunca é o melhor caminho para se sentir melhor consigo mesmo.

26. Não seja pirangueira (vocabulário pernambucano que significa "mão de vaca"). Já fui. E muito. E não é bom. Saiba ser econômico sem deixar de viver bem equilibrado.

27. Ler e viajar são os melhores investimentos que já fiz.

28. Surpreenda quem você ama. Não ache que só porque já existe amor que as coisas devem permanecer como estão. Não precisa comprar coisas. Faça algo com carinho. É poderosamente enriquecedor para ambas as partes.

29. Ter uma péssima referência paterna na vida dói muito. As cicatrizes ficam. Terapia ajuda. Mas o mais importante que aprendi é não culpar ninguém pelos seus próprios erros. Minha opinião é admitir a dor, não se obrigar a perdoar (isso é pessoal e ninguém nunca tem que te impor nada, muito menos o perdão) e compreender que você é responsável por todas as suas decisões.

30. Escutar cobranças é uma merda. Sempre. Principalmente cobranças machistas, como de casamento e de filhos.

31. Ser preconceituoso é outra merda. Sempre.

32. Quando não souber o que fazer, sobretudo em uma situação emocionalmente difícil, não tome decisões precipitadas. Você vai achar a melhor solução. E (muito provavelmente) haverá pessoas
que lhe ajudarão. Porém, não coloque o peso da responsabilidade sobre elas. Toda escolha é individual.

33. O que duas semanas de mindfullness e quase dois meses de mestrado no exterior me ensinaram: planejar não é ruim, pelo contrário, é muito bom e fundamental. Mas viver o presente é ainda mais necessário.