segunda-feira, 24 de março de 2014

Selfies humanos

De que vale conhecer a frase "fazer o bem sem olhar a quem" se a intenção atual que mais enxergo nas pessoas é "olhar bem a quem antes de fazer"? Portadores de um sentido cruel de humanidade caminham a passos firmes de ganâncias vis na estrada que, por certo, os levará à falência espiritual. Por que não à depressão?

Deprime-se porque se oprime a beleza em ser feliz. No mais realista sentido que possa ter. Não aquele perpetuado nas novelas e programas ausentes de células neurais. Mas no que pode ser tocado pela boa e sincera respiração. Aquela que nos faz sentir o peito inflando de saudável orgulho por participar de uma honesta construção social.

Quanto mais vivo, mais enxergo nequícias. Dessas últimas, o copo está chegando ao topo. Quando enfim derramará seu conteúdo em cima dos que as alimentam? Até lá espero poder não contribuir para a armadilha coletiva que erguem. Por que preferem afundar no lamaçal da truculência fétida de angústias mal curadas do que estenderem as mãos aos galhos próximos? Não quebrarão se notarem a diferença entre a intenção de permanecer na proliferação de violências suavizadas de normalidades e a de seguir numa direção mais humanizada.

Vejo constantemente, diante de telas de plasma e de telas mentais, ações de abuso contra a paz de espírito. É mais fácil condenar e botar o dedo com unhas grandes e afiadas na cara (cada vez mais) exposta alheia do que lhe oferecer um "como você está?" sincero. Percebem o perigo das passadas largas e apressadas que os levam para o esmagamento da gentileza? Não. Infelizmente preferem contradizer a famosa frase do quarteto criado por Alexandre Dumas. Cada um por si e se supõe independência.

Como falham esses homens e mulheres! Elas são as que mais me incomodam por estarem inclusas nesse ramo de plantações espinhosas, principalmente por demonstrarem um grande grau de atrocidade emocional. "As pessoas daqui são assim mesmo. Frias". Frieza não me incomoda tanto. A rocha no sapato são os icebergs colocados nos copos de momentos de sucesso ou alegria alheios. É mais fácil desfazer do outro do que se livrar da velha companheira infelicidade.

As estatísticas de violência bombardeiam-nos diariamente. Porém, as estéticas tomam-lhe o lugar da preocupação. Consente-se um "é assim mesmo" e ratificam-se cinismos ambulantes travestidos de "acredito na Justiça jogando minha raiva em discursos vazios de concretude". Solidões amontoam-se em tecnologias que reforçam experiências juvenis tardias de autoafirmação. Adicionam-se heróis. Procuro seres humanos.
O amparo vem de quando em quando, em pequenas doses. As trombadas em grande doses, cavalares de paixões atadas a enferrujadas amarguras.

É mais rápido viver de riso debochado do que de compartilhamento de riso construtivo. Intuem-se artistas singulares, fazem-se moribundos desnorteados. A trilha dos infortúnios se prolonga. Fracassos participam da estrada. Isso é normal. Incomum é tomá-los como pólvora para ataques constantes que substituem as vírgulas nas conversas cotidianas. Quem assim segue não são poucos. E proliferam-se sem atentar que violência se marca pelo físico e se incrusta pelo emocional.

Perpetua-se o "cadê a minha parte?" e debanda-se o "muito obrigado". Magoa a alma e fere a intenção de ser diferente. Ser humana passou a ser diferente. Para não viver de ataduras furto-me autorretratos irônicos esporádicos (cada vez mais frequentes devido ao aumento nas insistências de diretrizes raivosas). Preciso descer degraus curtos e sem corrimão quando me confronto com a ausência de energia no fim da jornada semanal. É cada vez mais insistente a concepção de mundo dos "selfies" humanos. Reforçam a busca pela beleza perfeita para a plástica realidade. Plastificam seus corações já ausentes de gratidão.

Indago-me bastante e insisto na luz da experiência: a História nos reforça ciclicamente os rumos certos e os errados das estratégias de representação cotidiana. Entretanto, a luz perseguida perece naquela artificial que marca as horas, realiza chamadas, envia mensagens e congela humanidades. Olhar o outro, literal e metaforicamente, nunca me pareceu tão árduo. Visivelmente somos filhos obedientes de vivências distantes do que é válido. É melhor curtir-se em momentos gloriosos de afirmações justas e desbravadoras do que perceber de que de nada adianta prender-se à espera pelo incessante reconhecimento alheio.

O outrora fordismo deu lugar ao "fodismo" em esmagadora escala. Tornar-se referência, na roda de amigos ou conhecidos, é o alvo da vez. Pareço até ver onde isso vai dar. No crescimento da geração vindoura, mães podem vibrar orgulhosas ao questionar os filhotes: "O que você quer ser quando crescer, Fulaninha? Mãe, eu quero ser foda!". Que lindo, não? Ser aquela inatingível. Suficiente para derrubar qualquer recalcada, desfalcada, acabada e qualquer outra palavra que represente o outro - sempre perseguido pelos fantasmas internos que vivem lhe cobrando de seus próprios desfalques.

Há violência em larga escala no mundo e propagamos esse contexto em qualquer área: em família, no trabalho, na academia, na rua. Viola-se o direito de ser bom por pureza. Turva-se a piedade e enobrecem-se reputações transviadas. No rumo que estamos seguindo, seguirei elaborando outros textos com a mesma temática, apenas com frases e palavras costuradas de formas diferentes. A persistência faz parte do meu sangue "A" positivo e operante de otimismo.

Está cada vez mais forte o desafio de seguir buscando não me envolver em momentos agressivos. Como se combate a estupidez emocional humana? Não posso me ausentar da participação coletiva. Então, o que me resta é não medir forças em batalhas fodásticas de cinismos coagulantes. Também não posso viver de angústias por ver o mundo massacrar esperanças honestas. O que me impulsiona é saber que se eu sou diferente, como alguns assim me percebem, porque não seguir acreditando que há outros também nessa busca do alheio de carne, osso e coração? Com tudo isso quero dizer que não sou melhor do que o outro. Estou melhor condicionada do que muitas outras pessoas. Minha condição de vida é enxergar a felicidade no ser humano e não no, tão procurado, "selfie" humano.

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