Numa noite chuvosa, com o abafado há muito não sentido, na cidade que deu passaporte de entrada no mundo, recordações são sentidas na tela mental da mulher que se aproxima da nova idade. Em poucos dias, as jornadas de outrora se distanciarão. Porém, nada que a impeça de guardá-las vivas, como lembranças para um presente construído.
Da menina que se escondia do Sol à moça que se enxergava além da realidade que a cutucava, os vários capítulos do meu eu passam rapidamente como folhas levadas pelo vento da tempestade de ideias rememoradas diante do espelho do agora. Das primeiras descobertas aos grandes saltos, as aventuras validaram meu visto de permanência (e sobrevivência, algumas muitas vezes) nessa grande biblioteca planetária.
Os livros somos nós. Cada qual com suas capas autointerpretativas ou autossugestivas. Umas ofertam aos leitores uma ideia aparentemente sólida. Outras surpreendem positivamente (com seus conteúdos ricos) ou negativamente (com didáticas obsoletas). Alguns autores têm marcas parecidas e nos chamam aos mesmos tipos viciantes de leitura, como acontecem naqueles relacionamentos que parecem ser réplicas dos anteriores, apenas com parceiro fisicamente diferente (ou não).
Costumava gostar da ideia de conhecer os diversos conteúdos. Mas os livros se mostraram inacessíveis ou com linguagens questionáveis (vai ver a revisão gramatical piorou com o tempo) e encaminharam a leitora aos caminhos de poucas estantes. Palavras empoeiradas e páginas cortantes afastaram a sede de outrora e a desencorajaram a ver a tal biblioteca com olhos de algodão.
Dos anos, lembro-me de uma vaga visão fantasiosa. De agora, restam-me poucos interesses de verdade. Mas me resta interesse. E como! Os best-sellers não são os que me clamam a atenção. Eles podem ser lidos numa passada de olhar pelo Google (ou no filme que, logo em seguida, estreará). Os que me chamam são os que têm poucas visitas catalogadas. Tornam-se importantes pelas histórias simples que almejam diferenças em meio ao comércio de ideias frágeis.
Aprecio perder-me em curiosidades pelas páginas que despertam empatia, questionamentos, impulsos, choros e risos. Princípios de previsibilidade também não me afastam da leitura. Por vezes, é preciso repetir experiências que nos fazem bem ou que nos despertam em meio ao início de um piscar mais pesado dos olhos.
Nessas estantes... Em qual delas estaria meu livro? Para alguns, poderia estar na seção proibida (talvez pelas atitudes encorajadoras em usar o cérebro e o coração), mas esses são minoria. Para a maioria, acredito, tenho boa cotação. Acumulei boas leituras, mas foram poucos os que realmente passaram das primeiras páginas. Digo isso no sentido de relacionamentos humanos (nos mais diversos aspectos).
Reservei-me, durante muitos anos, às leituras silenciosas. Procurei compreender o mundo antes de captar a minha essência. Apaixonei-me por mim quando me desencantei por outros. À priori, num sentimento de autoproteção, comecei a reler as palavras traçadas e enxerguei um amor pelas ideias que projetara desde cedo. Demonstrei ser uma boa leitura.
Dos rasgos e marcas que fiz em minha única edição, só me arrependo em não ter tido mais tempo de apreciar a obra antes. Entretanto, a história da evolução humana mostra que a seu tempo acontecem seus reconhecimentos. A caminhada é longa rumo ao objetivo final. E tudo na rota se mostra necessário. Até mesmo as traças que estragam as páginas e demandam atenção ao livro apreciado.
Sigo escrevendo minha autobiografia diariamente e querendo ler outras poucas de verdade, com interesses mais puros e honestos que a maioria costuma escrever. Até a edição final desse livro, em meio a qualquer sinal de mudança de gênero literário, é só me recordar que a editora dessa obra sou eu. Um sinal de alívio pisca internamente. É bom saber que posso confiar completamente nela. A experiência até aqui comprovou isso.
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