Parc Floral de Paris - França (março/2012) |
Lembrara, algumas parcas vezes, em flashs de memória propositadamente enfraquecida, que a personagem originária era alguém de nome, carne e osso. E nessa composição havia marcas que a faziam querer esquecer o que era ser, pensar e pesar aquilo que tinha gosto amargo de ordem velada. Não bastava ter nome e carne se o osso pesava e ocupava mais espaço do que sua estrutura poderia carregar.
Prestes a ignorar qualquer condução externa de prece de paz, e antes de explodir em pedaços afiados de cataclismo emocional, tivera a coragem (ou a fraqueza?) de se autoproteger e de se lançar rumo ao oceano onde apenas telescópios e atentos olhos nus poderiam enxergar a sua nova composição do ser. E como aquele lugar era especial, espacial, numa graciosa brincadeira que ia muito além dos vocábulos. Sua nova posição não apenas possibilitara livrar-se dos pesados ossos como também lhe fizera o favor de lhe apresentar cenários estonteantes que lhe faziam esquecer do que estava querendo se poupar.
Foi então que o medo de outrora chegou-lhe em um embrulho enfeitiçado, enviado por um dos deuses daquele distinto olimpo (e qual deles seria? Até hoje, não sabe e prefere silenciar as tentativas da descoberta). Como um anexo daquela oferenda, encontrou pequenas peças de um quebra-cabeça menor do que as pontas de sua composição. A curiosidade levantou a voz, suspendeu cada uma das peças e vestiu o manto da satisfação ao chegar à conclusão simbólica do presente: formara traços da realidade que malfadara.
Com olhar nada preguiçoso, ergueu todo o seu corpo e viu que sua luz interna piscava incessantemente. Não desejava mais pesar como antes. Aqueles ossos não lhe pertenciam mais e enterrara-os tão bem em uma estrada de chão batido pela qual passara antes de encontrar em si as asas necessárias para se separar daquele nada remanso caminho. Então, por que o sentimento da dúvida brotara? Duvidava da capacidade de se arrepender ou da capacidade de querer retornar àquilo do qual tão veementemente quisera se afastar? O vislumbre da noite que lhe acompanhara durante os milênios mais tranquilos que tivera indubitavelmente afagavam a sua decisão de ali permanecer. Mas e quanto ao vislumbre do Sol?
Foi durante aquele jogo de indecisões que, subitamente, começara a ser lembrada, pelo restinho das entranhas que pertencera à criatura anterior, do quanto sentia falta de poder experimentar novas aventuras e guiar-se quase que perdidamente rumo a uma nova direção. O gelo interno da novidade a suscitava ondas de ansiedade que pesavam desequilibradamente em seu ventre. Aquilo seria bom? E quanto daquele peso poderia ocupar o espaço que abandonara no deserto da certeza? Ninguém poderia esclarecer as dúvidas. Ninguém além de Chronos. E ele não era de conversar com palavras, mas apenas de apontar reflexos de projeções internas, para frente, para o lado ou para trás. Ah, como gostaria que aquele deus pudesse abandonar seus costumeiros protocolos e fizesse um favor àquela perdida criatura! Mas ele não saíra de seu posto e mantivera a obrigação de sua tarefa exatamente como tinha de ser.
A estrela, despertando de um transe compreensivelmente finito, desprendeu-se do seu altar. Admirou pela última vez as companhias e os cenários que a fizeram ali almejar, formou-se em tons e cores de mulher e pegou a estrada para a qual havia de rumar. Foi quando cochichou para si mesma que não poderia prever o que viria, mas certamente reconhecia a importância dos passos que dava. Pois, afinal, aquilo era o presente. O presente real, ou o milhares de vezes nada simples, real.
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