sábado, 7 de novembro de 2015

Galeria francesa

Créteil (França) - um dos cenários que inspirou o texto abaixo

Há alguns dias, honrei minha presença, pela terceira vez, no lugar ao qual pertencem meu coração e minha segurança musical. Tão logo o freio de pouso sublimou minha paixão aguçada pela luz de lembranças terrenamente inexplicáveis, o cansaço das quase 14 horas de trânsito aéreo esvaiu-se como num despertar de um sono doce e profundo.

Dali para os próximos 15 dias, houve aventuras previstas, mas nada tão estritamente calculadas. E mesmo diante de vai e vens de novas lembranças a se formar, em cenários diferentes de vistas anteriores, minh'alma ratificou o desejo de regressar sempre àquela que me energiza e me faz preencher rios internos de esperanças.

Por entre as caminhadas apaixonantes, mesmo no fluxo constante das agitações urbanas, a paz lembrava de aparecer e de sorrir. Dentre olhares sublimados de encantamentos, o meu encontrou uma citação constante que resumiu a ópera da minha passagem: "Decidi ser feliz porque é bom para a saúde". Com base em Voltaire ou não, a decisão já estava constatada e devidamente atestada.

Sorrisos bobos sibilavam de quando em vez às paisagens que passara a conhecer (com a segurança interna de um futuro retorno) e que outrora presenciara. Outrora atual e pregresso, muito pregresso, para além do estado físico, e talvez racional. O reconhecimento da vida atual se situou em constantes atestados de magia saudosa que me esclareceram a dúvida a qual, por ventura, ainda poderia pairar. Meu coração não pertence senão àqueles fragmentos constantes de alegria, luz e amor à natureza (que parece nos brindar, orquestralmente, com notas musicais constantes, em harmonias únicas).

Se a concepção de amor perfeito existir, a minha está lá, repousando em lembranças passadas e expectativas futuras, sempre à espera de sensações de completo desprendimento terreno. E se a felicidade é uma galeria de quadros pintados e ainda por preencher, meu marchand tem um gosto muito especial de persistir em me apresentar paisagens que j'aime. Et comme je les aime!  

quinta-feira, 2 de julho de 2015

Sociedade autofágica

Van Diemen's land (U2): trilha sonora do texto.

Ser egoísta parte de princípios diferentes, de interpretações, muitas vezes, convenientes. Cuidar-se de si mesma (com pleonasmo exagerado) é egoísmo quando saímos da expectativa do outro. E o outro tem bastante expectativa com todos. A vida é feita disso, né? O desafio é nos livrarmos dessa teia venenosa de dependências emocionais. Porque tudo é levado para o lado emocional. É mais fácil seguir na onda dos incorretos do que contestá-los. 

E, desse jeito, a sociedade vai se adoentando e alimentando uma fome de infelicidades. Sociedade autofágica, tenho dito. 

O que leva alguém ao ciclo vicioso da má conduta? Caos? Caô? Cacos de uma vida miserável? E de qual miséria se devaneia? Política? Melódica? Imaginativa? Vingativa? Por entre os números de violência intrafegantes se delineia a desesperança de uma sociedade de valores flácidos. E não há botox, nem silicones que deem jeito a atitudes pérfidas e necromantes.

Se conhecerem alguns discípulos de Dr. Ivo Pitanguy das atitudes reais, por favor, não hesitem em indicá-los para a nossa sociedade. Quem sabe não ajudam a harmonizar um pouco esse turbulento cenário de guerras emocional e civil.


Meu grito

"Where the streets have no name" (U2): o meu grito em forma de música.

Meus músculos já não se contraem como antigamente. Daquelas contrações que despertam calafrios de esperança. Meus calafrios doem. Incomodam. E me fazem querer gritar forte. Com peito estufado e com uma voz grave que nem sabia, até há pouco tempo, que existia.

Minha fraqueza não reside em ver infelicidades, mas em me ver pessimista, com toques constantes de angústia e desapontamentos. Minha voz não se encaixa mais com os tons de outrora. 

Se costumava dar pulos constantes, hoje pulo situações da minha vida como quem pula canais de tv. Se gargalhava com qualquer ação, hoje inativa essa habilidade está. Se acreditava que a música poderia ser capaz de agregar pessoas de valores especiais, hoje caio na real. 

Sinto falta do tempo em que acreditava que ter uma rotina poderia ser algo bom. Mas a minha rotina me desgasta a ponto de rasgar meus nervos. Nervos que antes pareciam ser feitos de aço, desfiam-se em tiras cada vez mais frias de cor. O colorido dá lugar ao cinza sem graça.

Pessoas machucam. Constantemente. Pessoas violam outras pessoas. Reiteradamente. Pessoas se prestam a papéis de algozes dos seres que elas mais temem e desempenham isso magistralmente. 

O ar interno pesado ainda carrega gotículas de fôlego. Grito como quem merece liberdade de ser mais feliz. Liberto notas de grave que gravemente me fazem querer subir colinas, explorar desertos, afastar-me da escuridão e envenenar partículas de desumanidades espalhadas pelo mundo ao redor.

Quero correr. Cansei-me de deslizar sobre terrenos fracos e vazios. Esse caminho não merece os meus pés. Depois de quase 30 anos, aprendi que sou mais do que o que querem que eu seja. Sou mais do que me vejo. Eu grito, e meu grito atinge a alma que havia esquecido de despertar. A minha própria alma.

quinta-feira, 21 de maio de 2015

Meros menos humanos

Gritos constantes, raivas desconcertantes
Vísceras expostas, cuspes de sangue
Turbilhão de ideias desorganizadas
De quê adiantam?
Para quê tão frequentemente se adiantam?

Das etiquetas de grife que clamam por atenção
Às falhas humanas que se expõem
Sem risco de se desafortunarem
Ganham sentido de bons valores
Pura ilusão!

De destruição em destruição
Agressão em agressão
Sinto a pena sangrar
Em cada palavra a desgarrar da mente
Que mente para não lacrimejar

Enquanto corações amam dilacerar
Cérebros cercam a próxima vítima
Sem piedade, torcem por serem temidos
Odiados, odiosos e apodrecidos
Em marcha robótica a um futuro presente insuportável

Na terra que outrora brotava flor
Dor de fato passo a carregar

E mesmo que o fruto escasso do amor
Se desfaça em mil pedaços em meio ao chão
Sem adubo certo
Ou sem boa iluminação
Rezo, peço, penso
Que bom que tal mal
Tal pesado e cortante mal
Não atingiu a todos

Apenas aos muitos tolos
Que pensam serem mais que humanos
Quando, de fato, são menos humanos
Meros menos humanos
Cada vez mais, menos humanos

domingo, 10 de maio de 2015

Homenagem às canções (ou O desejo de aventuras e fartas emoções)

Canções
Tais provas de vivacidade
Pedem apenas ouvidos levemente atentos
Enquanto nos herdam horas, dias e memórias
Sempre prontas a nos despertar

Os sentimentos que se sacrificam por elas
Valem tanto a pena quanto a pena que rabisca lembranças carregadas
Por anos, séculos, milênios de paradoxo emocional
Tais notas em maior ou menor, em sustenido ou bemol
Sétimas, quintas e oitavadas
Que nos fazem carregar fardos
Ou abraços imaginários
Beijos vívidos
Lágrimas a causarem curtos circuitos internos
Nos levando, relevando e nos entregando a paixões
Imaginadas, vividas, cantadas
Postas em figuras aparentemente abstratas
Daquelas que sobem, pausam e descem
Em partituras ou cifras
Tentativas, enfim, de organizar aquilo que nos denuncia
Pelo sorriso tentado a se esconder
Pela maré ocular a escorrer
Pelo brilho eterno de se projetar numa canção

Em um mundo de sangue, carne, força e poder
Esquecemos da liberdade de escolher ser
Apenas por instantes
Preciosos instantes
Amantes, amigos,
Pais e filhos,
Pedras de gelo,
Mármores gelados,
Corações livres ou apertados,
Sorridentes ou careados,
Com direito a reincidências futuras

Afinal, para quê servem as canções
se não para serem repetidas até se impregnarem
em nossas hemácias, nervos ou leucócitos?
De sorrir ou de chorar
De pensar ou respirar
Canções podem nem ser soluções
Mas certamente nos herdam boas aventuras, fartas emoções


Um álbum que me despertou coragem a escrever o texto acima. 
Porque meus melhores estalos mentais vêm através de canções.
Stages, álbum recém-lançado, fez lembrar-me de uma das minhas maiores
inspirações como cantora: canções de musicais. 

domingo, 22 de fevereiro de 2015

Cupcakes da discórdia

Sugestão de trilha sonora: versão de Somewhere only we know (do Keane), com Carrie Mac

Das coisas que vivi, lembro-me mais dos sorrisos que das quedas. Ando numa fase mais fechada para balanços positivos. Quem e o quê devem me interessar são as respostas que me preservam neurônios e não as que os queimam. Porém, a tarefa é árdua e incômoda. Pinçar espinhos fere e deixa arranhões. Falo do meu passado, meu presente e perspectivas futuras.

Não sei se contar pormenores vale a pena. Creio que não. Entretanto, exemplificar, mesmo que genericamente, facilita a compreensão do que vos falo.

Perguntaram-me, durante a semana, se tenho paciência para as pessoas cujo letramento está em nível bem desvantajoso em relação aos presentes na conversa. Minha resposta foi um sorriso. Afinal, pensei comigo, por que não teria paciência com quem precisa de ajuda e tem escassas condições sociais? 

Gosto de pessoas. Sobretudo das que prestam atenção no que falo e que me permitem escutá-la sem qualquer vínculo de avaliação constante e recíproca. Inclusive, neste meu blog, já falei em meu vício (impulso? mania, talvez? Não encontrei palavra que defina) em ser útil. Sobretudo, socialmente falando. 

Não frequento igrejas. Não gosto de me sentir presa a certas obrigações e proselitismos. Sem falsos moralismos, ok? E nem desrespeito quem o faz. Apenas uma escolha pessoal. Mas, apesar disso, aprendi, durante a caminhada, que me faz falta ser mais Endie e menos automática. 

Quando as pessoas que me conhecem falam o meu nome (em geral, tá? Não dá para ser unânime!), elas sorriem. Porque é isso o que, normalmente, transmito: sentimento bom. Autopromoção? Não. Reconhecimento de que meus anos de dedicação ao ato de ser mais humana, do desconhecido ao familiar, seguem valendo a pena.

Valores do bem estão enraizados em mim. Sejam eles cristãos, budistas, ou qualquer outra nomenclatura na qual acreditem. O que me importa, mesmo mesmo, é poder deitar minha cabeça no travesseiro todas as noites (ou na maioria delas) e dormir sem aquela sensação de que estou prejudicando alguém. 

Pegando carona nesse raciocínio, ratifico a ideia de que pessoas e suas histórias me atraem. Adoro escutar. Prestar atenção e dar feedbacks (sejam de sorrisos, palavras ou apenas olhares). Apetece-me ser humana. Só que está difícil. Por quê? Vejamos.

Valores subnutridos estão circulando em nossa sociedade. Subnutridos de amor, saúde e bem-estar. Tem muita coisa errada, invertida e violenta por aí. 

Não gosto de modismos. Não curto assuntos do tipo "todo mundo está fazendo isso". Primeiro que minha mãe me ensinou que eu não sou todo mundo (aliás, sábias mães que nos ensinaram isso). Segundo que não me acrescenta ser mais uma em meio ao padrão da vez. Quero ser reconhecida pelo o que faço de bom (seja na música, no sorriso ou em algum tipo de ajuda), não pelo o que visto, calço, como ou pago.

O texto não é indireta pra alguém. É direta para os alguéns que habitam o mundo e se esquecem de que todos iremos parar debaixo da terrinha lá do cemitério (ou em outro lugar em que as cinzas forem jogadas). Então, para quê me ferir com ferros e fogos sociais? De que adianta o que não me acrescenta?

Das esquinas por onde passei, andei encontrando mais amarguras que saúde. Doentes ambulantes de razão sofrível me provocam a ser mais feliz. Como? Sem fórmulas! Apenas desfrutando das pequenezes que perdemos de vista quando nos entortamos em direção a satisfações alheias. Fácil escapar das armadilhas sociais? Nadinha! Difícil é conciliar saúde e doença em mesmo ambiente. Contaminar-se é coisa de piscar de olhos. 

Perceba-se mais humano e menos padronizado. Ninguém precisa encaixar sua grande massa em fôrma de cupcake. Experimente apreciar pessoas. Conheça o que gosta (de verdade, não aquilo que alguma celebridade disse) e apaixone-se pela criatura que habita a sua massa. É muito bom sorrir para si mesmo e saber-se capaz de coisas maiores do que a (nada sã) filosofia das mentes enlatadas podem querer. 

domingo, 16 de novembro de 2014

Inominável

Sugestão de trilha sonora: Felicidade (Marcelo Jeneci)

Há surpresas que nos marcam sem palavras que a definam. Apenas sentimentos que tornam o peito apertado de lembranças iluminadas. Sejam pela beleza de seus simples encantos dos dias, pelas pisadas na praia que fixam mais do que areia sob os seus pés, pelos gostos do amor deixados no nhoque carinhoso e saboroso preparado pela mãe, pela evolução nas cantorias, pelo reencontro com pessoas que foram (e ainda o são) importantes em seus traços pessoais ou pelos sorrisos de constelação divididos com alguém agora querido.

Ideias traçam mais do que caráter. Elas são capazes de nos libertar de amarras sociais inúteis impostas pelo fato de ser humano. As consequências de nos guiarmos pelos pilotos automáticos que nos enchem diariamente os ouvidos escancarados são fatais para os corações alados. Imagine para aqueles musicais!

Por isso, vivo em constante redecoração interna de ideias. Porém, algo é pensá-las. Outra é presenciá-las. E, nas últimas duas semanas, foi isso o que me ocorreu. Fui ao encontro de uma ideia simples de um presente meu a quem me importa. Fui presenteada simplesmente com importâncias encontradas.

Apaixonei-me pelas representações de algumas ideias. De palco, de rumo e de batidas cardíacas. Pela luz (mais algumas vezes) enxergada em mim e pela própria falta de nome que a tudo isso se dá. Pela pura beleza de ser e sorrir em semibreves momentos.

Quando a realidade te embalar em sonho outrora esquecido ou desacreditado, levante e exponha os molares, caninos e incisivos. Insista em ter momentos felizes, pois é muito bom saber que, em meio a tantos gases lacrimogênios de ódio que nos circundam (e tentam nos sufocar), podemos ser bem surpreendidos em minutos e horas que compassam acordes harmônicos. Daqueles que nos deixam com ponta interna e firme de orgulho por vivê-los.

Por isso, convenço-me de sentir o aperto da saudade no abraço das boas lembranças. Um conforto paliativo, admito. Porém, pior seria se elas não houvessem existido. Agora, escuto novamente o concerto desses momentos que me garantiram notas sublimes refletidas em sorrisos internos de satisfação. Em simplesmente perceber-me suscetível à felicidade.

Sujeite-se a isso também. Verá que é inominável, praticamente inexplicável, mas sobretudo humano. Inesquecivelmente humano. :)

sábado, 11 de outubro de 2014

Leituras

Numa noite chuvosa, com o abafado há muito não sentido, na cidade que deu passaporte de entrada no mundo, recordações são sentidas na tela mental da mulher que se aproxima da nova idade. Em poucos dias, as jornadas de outrora se distanciarão. Porém, nada que a impeça de guardá-las vivas, como lembranças para um presente construído.

Da menina que se escondia do Sol à moça que se enxergava além da realidade que a cutucava, os vários capítulos do meu eu passam rapidamente como folhas levadas pelo vento da tempestade de ideias rememoradas diante do espelho do agora. Das primeiras descobertas aos grandes saltos, as aventuras validaram meu visto de permanência (e sobrevivência, algumas muitas vezes) nessa grande biblioteca planetária. 

Os livros somos nós. Cada qual com suas capas autointerpretativas ou autossugestivas. Umas ofertam aos leitores uma ideia aparentemente sólida. Outras surpreendem positivamente (com seus conteúdos ricos) ou negativamente (com didáticas obsoletas). Alguns autores têm marcas parecidas e nos chamam aos mesmos tipos viciantes de leitura, como acontecem naqueles relacionamentos que parecem ser réplicas dos anteriores, apenas com parceiro fisicamente diferente (ou não).

Costumava gostar da ideia de conhecer os diversos conteúdos. Mas os livros se mostraram inacessíveis ou com linguagens questionáveis (vai ver a revisão gramatical piorou com o tempo) e encaminharam a leitora aos caminhos de poucas estantes. Palavras empoeiradas e páginas cortantes afastaram a sede de outrora e a desencorajaram a ver a tal biblioteca com olhos de algodão.

Dos anos, lembro-me de uma vaga visão fantasiosa. De agora, restam-me poucos interesses de verdade. Mas me resta interesse. E como! Os best-sellers não são os que me clamam a atenção. Eles podem ser lidos numa passada de olhar pelo Google (ou no filme que, logo em seguida, estreará). Os que me chamam são os que têm poucas visitas catalogadas. Tornam-se importantes pelas histórias simples que almejam diferenças em meio ao comércio de ideias frágeis.

Aprecio perder-me em curiosidades pelas páginas que despertam empatia, questionamentos, impulsos, choros e risos. Princípios de previsibilidade também não me afastam da leitura. Por vezes, é preciso repetir experiências que nos fazem bem ou que nos despertam em meio ao início de um piscar mais pesado dos olhos. 

Nessas estantes... Em qual delas estaria meu livro? Para alguns, poderia estar na seção proibida (talvez pelas atitudes encorajadoras em usar o cérebro e o coração), mas esses são minoria. Para a maioria, acredito, tenho boa cotação. Acumulei boas leituras, mas foram poucos os que realmente passaram das primeiras páginas. Digo isso no sentido de relacionamentos humanos (nos mais diversos aspectos).

Reservei-me, durante muitos anos, às leituras silenciosas. Procurei compreender o mundo antes de captar a minha essência. Apaixonei-me por mim quando me desencantei por outros. À priori, num sentimento de autoproteção, comecei a reler as palavras traçadas e enxerguei um amor pelas ideias que projetara desde cedo. Demonstrei ser uma boa leitura. 

Dos rasgos e marcas que fiz em minha única edição, só me arrependo em não ter tido mais tempo de apreciar a obra antes. Entretanto, a história da evolução humana mostra que a seu tempo acontecem seus reconhecimentos. A caminhada é longa rumo ao objetivo final. E tudo na rota se mostra necessário. Até mesmo as traças que estragam as páginas e demandam atenção ao livro apreciado.

Sigo escrevendo minha autobiografia diariamente e querendo ler outras poucas de verdade, com interesses mais puros e honestos que a maioria costuma escrever. Até a edição final desse livro, em meio a qualquer sinal de mudança de gênero literário, é só me recordar que a editora dessa obra sou eu. Um sinal de alívio pisca internamente. É bom saber que posso confiar completamente nela. A experiência até aqui comprovou isso.

domingo, 21 de setembro de 2014

Da fome (e da falta dela)

Sugestão de trilha sonora: Back to the Earth (Jason Mraz)

Há dias em que não sinto a fome de proteínas, carboidratos, potássio ou ferro. Há simples dias em que como para não ter que me preocupar em alimentar a indústria farmacêutica, que cresce no mesmo ritmo das doenças modernas (ambas pelo excesso de fome - seja de lucro, seja de atenção).

Das fomes que sinto, há bastante tempo invade-me a de conhecimento. Conhecer histórias, dramas, dharmas e comédias. Literais e literárias. Há ainda a sede de cantos. De pássaros (como os que escuto diariamente no caminho à academia e que me fazem parar, admirar e sorrir olhando para o céu que evidencia, sem cerimônias, o presente desembrulhado). De música. De colo. De pólos (e naquele em que houver menos provisões comerciais, pretendo me instalar).

Das vezes em que senti o tempo interno mudar, mesmo que em meio a uma caminhada plana, soube identificar a tal fome mental e emocional. A física não costuma vir junto. Ao contrário, ela se dissipa ou se manifesta apenas quando identifico o correr dos ponteiros que não me deixa esquecer o dia a caminhar independentemente da nossa necessidade de tempo.

Tenho sede de compreender. A inanição emocional que assola a humanidade. A verdade das idiossincrasias que nos cercam de arames farpantes e nem se preocupam em nos proteger da primazia de suas palavras cortantes. A falta de perspectiva que há muitos provoca angústias, à primeira vista, incompreensíveis. O humor alucinante em se provar superior, não importa quem seja o outro e qual a sua bagagem histórica.

Não tenho fome de certezas. Mas das dúvidas que me fazem querer seguir atrás de mais respostas, numa trilha que me levará a uma explicação incompleta até atingir o ápice da epopeia que é essa passagem temporária. Por isso, talvez, o organismo não sinta a tal necessidade do trabalho digestivo. Porque o resultado final é bastante previsível. 

Construí ao longo desta minha ainda jovem jornada um caminho baseado na gentileza e na disseminação das ideias, sobretudo daquelas que não se encontram na televisão ou nos quizzes das revistas de moda. Procuro, desde muito muito cedo, a utilidade. Gosto de ser útil. É um prazer incomensurável fazer-me presente em lembranças (de preferência as positivas). 

Não quero receber troféus, capas de revistas ou estátuas em bronze. Apenas quero fazer a diferença. Mesmo que seja por um sorriso, uma provocação sobre a trilha, um elogio despretensioso ou uma palavra compartilhada. Isso não é uma despedida. É uma constatação. Da fome e da falta dela. 

#Texto inspirado na leitura de "Na Natureza Selvagem", de Jon Krakauer, e no filme homônimo de Sean Penn.

sábado, 6 de setembro de 2014

Noivas, a esperança e o amor

Eu vejo noivas toda semana. Pela brecha da porta, pelas falas empolgadas que sibilam do buraco na maçaneta, no descer da escada do prédio ou até pelo cheiro inconfundível dos produtos de beleza que entregam a sua presença.

A cada vez que as sinto por perto é como se qualquer pensamento destoante daquela realidade meio mágica se dissipasse até uma das masmorras da Idade Média. Além disso, a rádio mental sintoniza baladas românticas dos anos 80/90, geralmente internacionais, que me fazem apreciar o brilho exalado na alegria que compartilham, propositadamente ou não.

De Peter Cetera aos Bee Gees, U2 a Elton John, Bryan Adams a Barbra Streisand. Todos compõem harmonias que orquestram pensamentos ao sabor de lírios iluminados (ando apreciando mais essa flor). Mas o que me traz essas sensações além de ver mulheres inspiradas e felizes em uma vestimenta que as deixa (independente do estilo) com uma esperança capaz de abraçar o mundo?

Elas me sintonizam, com seus sorrisos, a um canal de lembranças positivas. É como se a luz alheia me lembrasse de trocar as lentes gastas do cotidiano para as do tipo antirreflexo e anti-arranhões. Então, sigo caminhando pelo corredor até me pegar sorrindo, em frente à minha porta, com a chave na mão direita, pensando no quanto a situação corriqueira ainda me desperta estalos mentais.

Deixe-me contextualizá-los mais: desde pequena acredito no amor. Naquele romântico, com direito a flores, música tema e surpresas marcantes. Tive mil (ou talvez até mais, pois perdi a conta) motivos para desacreditar nisso. Vi pessoas que amo (no sentido real da palavra) serem estraçalhadas. Tive de segurar pontas alheias desde muito nova (quando ainda os dentes eram de leite). Sabia o que via e sabia que aquilo não era certo. Não correspondia às músicas e aos filmes a que constantemente assistia.

Pudera, Endie! Eram filmes e músicas! Cenários irreais! Irreais até que ponto, afinal? Não me deixava abalar! Mesmo sabendo que o "primeiro amor" de infância, o Daniel San, não era real e tinha, na verdade, a idade da minha mãe (que decepção saber que me encantei pela reprise do filme... enfim, crescer também dói), eu não desisti do amor de hamsters no estômago, de sorrisos bobos e de boas lembranças. Daquele amor que quando a música dos dois toca é como se nenhum remédio pudesse ter tamanho efeito diante de alguma dor como aqueles acordes o fazem.

Fui crescendo, o tempo deixando certas certezas de lado e a vida me mostrou que há mais amarguras que romanticismos na estrada. Crueldades disparadas ao vento atingem o alvo e os espectadores, entre eles lá eu estava. A posição forte da emoção começava a ampliar espaço à razão. Amor racional, de pés no chão e bolhas sob o sapato. Segui vendo acidentes emocionais alheios, mas a sede pela esperança me domava a decepção. Por isso, fui tachada (através de olhares repreendedores e palavras debochadas) de ingênua.

Pobre de exemplos próximos, fui deixando de lado a capa da invisibilidade e partindo aos campos vazios da desesperança. Fui até o meio do campo de batalha. Não tive o coração quebrado. Apenas não tive o coração pulsando no ritmo de alguma música. Não compartilhei a tal emoção que nos deixa sem ar e sem melanina. Esvaziei o músculo cardíaco e provei o gosto amargo da desilusão. 

No fundo da alma, a última gota de esperança no amor ainda estava lá. Tive de quebrar o vidro de emergência para usá-la. Não me lembro exatamente o que me deu o estalo. Talvez a fase mais difícil pela qual tive de passar, emocionalmente falando, com a pessoa mais especial da minha vida me tenha feito acordar. Despertei, mesmo me desequilibrando aos poucos, sem saber dosar ao certo o que poderia ser real ou ilusão. 

Segui em frente, mudei-me (de cidade e de aspectos da personalidade) e me vi em situações de impacto. Encarei alegrias e quebradas feias de cara. Chorei, sorri, chorei de novo e sorri novamente, mesmo com os machucados ainda sarando. O que me dá direito a mais uma vida (como aquela dos jogos de Mário Bros, Sonic ou Donkey Kong) é a fé na esperança. Há de se acreditar em algo para poder viver de pé. E eu acredito no amor. Na esperança de que ele é a razão primordial para que tudo o que nós conhecemos exista.

Sem entrar em detalhes sobre aspectos religiosos, acredito no amor maior. Se Deus/Buda/Alá/Khrysna/Ser Supremo nos ama a ponto de nos permitir escolhas por que seguir na reta da amargura? Por isso, quando vejo seres amando e se permitindo curtir momentos desejados eu recarrego minha fé na humanidade. Parece pouco. Mas para mim um sorriso sincero alheio é suficiente para alimentar o apetite em ser feliz. 

Ando com sede e fome de prazeres pequenos: da risada boba no celular àquela compartilhada em meio à louca correria no ambiente de trabalho. Seres humanos são seres complexos. Com uma pesada tendência ao egoísmo e ao massacre emocional. Mas ainda não desisti deles. Com véu e grinalda ou de jeans e camiseta o importante é não deixar de se sentir parte dessa grande escola, cujas provas vão ficando mais e mais difíceis e cujos professores podem ser todos ao redor. Entretanto, o melhor deles costuma estar, normalmente, dentro da nossa própria estrutura. 

Pegue tua chave, sinta os cheiros do ambiente e escolha as trilhas (musicais e de concreto) que te fazem sorrir (mesmo que apenas internamente). Não desvie o olhar do que almeja. Descarte pensamentos negativos e acredite no amor. Mesmo que seja impossível defini-lo, é impossível viver sem senti-lo. Tenho observado isso há quase 29 anos. E, pelo visto, seguirei assim acreditando.