domingo, 16 de novembro de 2014

Inominável

Sugestão de trilha sonora: Felicidade (Marcelo Jeneci)

Há surpresas que nos marcam sem palavras que a definam. Apenas sentimentos que tornam o peito apertado de lembranças iluminadas. Sejam pela beleza de seus simples encantos dos dias, pelas pisadas na praia que fixam mais do que areia sob os seus pés, pelos gostos do amor deixados no nhoque carinhoso e saboroso preparado pela mãe, pela evolução nas cantorias, pelo reencontro com pessoas que foram (e ainda o são) importantes em seus traços pessoais ou pelos sorrisos de constelação divididos com alguém agora querido.

Ideias traçam mais do que caráter. Elas são capazes de nos libertar de amarras sociais inúteis impostas pelo fato de ser humano. As consequências de nos guiarmos pelos pilotos automáticos que nos enchem diariamente os ouvidos escancarados são fatais para os corações alados. Imagine para aqueles musicais!

Por isso, vivo em constante redecoração interna de ideias. Porém, algo é pensá-las. Outra é presenciá-las. E, nas últimas duas semanas, foi isso o que me ocorreu. Fui ao encontro de uma ideia simples de um presente meu a quem me importa. Fui presenteada simplesmente com importâncias encontradas.

Apaixonei-me pelas representações de algumas ideias. De palco, de rumo e de batidas cardíacas. Pela luz (mais algumas vezes) enxergada em mim e pela própria falta de nome que a tudo isso se dá. Pela pura beleza de ser e sorrir em semibreves momentos.

Quando a realidade te embalar em sonho outrora esquecido ou desacreditado, levante e exponha os molares, caninos e incisivos. Insista em ter momentos felizes, pois é muito bom saber que, em meio a tantos gases lacrimogênios de ódio que nos circundam (e tentam nos sufocar), podemos ser bem surpreendidos em minutos e horas que compassam acordes harmônicos. Daqueles que nos deixam com ponta interna e firme de orgulho por vivê-los.

Por isso, convenço-me de sentir o aperto da saudade no abraço das boas lembranças. Um conforto paliativo, admito. Porém, pior seria se elas não houvessem existido. Agora, escuto novamente o concerto desses momentos que me garantiram notas sublimes refletidas em sorrisos internos de satisfação. Em simplesmente perceber-me suscetível à felicidade.

Sujeite-se a isso também. Verá que é inominável, praticamente inexplicável, mas sobretudo humano. Inesquecivelmente humano. :)

sábado, 11 de outubro de 2014

Leituras

Numa noite chuvosa, com o abafado há muito não sentido, na cidade que deu passaporte de entrada no mundo, recordações são sentidas na tela mental da mulher que se aproxima da nova idade. Em poucos dias, as jornadas de outrora se distanciarão. Porém, nada que a impeça de guardá-las vivas, como lembranças para um presente construído.

Da menina que se escondia do Sol à moça que se enxergava além da realidade que a cutucava, os vários capítulos do meu eu passam rapidamente como folhas levadas pelo vento da tempestade de ideias rememoradas diante do espelho do agora. Das primeiras descobertas aos grandes saltos, as aventuras validaram meu visto de permanência (e sobrevivência, algumas muitas vezes) nessa grande biblioteca planetária. 

Os livros somos nós. Cada qual com suas capas autointerpretativas ou autossugestivas. Umas ofertam aos leitores uma ideia aparentemente sólida. Outras surpreendem positivamente (com seus conteúdos ricos) ou negativamente (com didáticas obsoletas). Alguns autores têm marcas parecidas e nos chamam aos mesmos tipos viciantes de leitura, como acontecem naqueles relacionamentos que parecem ser réplicas dos anteriores, apenas com parceiro fisicamente diferente (ou não).

Costumava gostar da ideia de conhecer os diversos conteúdos. Mas os livros se mostraram inacessíveis ou com linguagens questionáveis (vai ver a revisão gramatical piorou com o tempo) e encaminharam a leitora aos caminhos de poucas estantes. Palavras empoeiradas e páginas cortantes afastaram a sede de outrora e a desencorajaram a ver a tal biblioteca com olhos de algodão.

Dos anos, lembro-me de uma vaga visão fantasiosa. De agora, restam-me poucos interesses de verdade. Mas me resta interesse. E como! Os best-sellers não são os que me clamam a atenção. Eles podem ser lidos numa passada de olhar pelo Google (ou no filme que, logo em seguida, estreará). Os que me chamam são os que têm poucas visitas catalogadas. Tornam-se importantes pelas histórias simples que almejam diferenças em meio ao comércio de ideias frágeis.

Aprecio perder-me em curiosidades pelas páginas que despertam empatia, questionamentos, impulsos, choros e risos. Princípios de previsibilidade também não me afastam da leitura. Por vezes, é preciso repetir experiências que nos fazem bem ou que nos despertam em meio ao início de um piscar mais pesado dos olhos. 

Nessas estantes... Em qual delas estaria meu livro? Para alguns, poderia estar na seção proibida (talvez pelas atitudes encorajadoras em usar o cérebro e o coração), mas esses são minoria. Para a maioria, acredito, tenho boa cotação. Acumulei boas leituras, mas foram poucos os que realmente passaram das primeiras páginas. Digo isso no sentido de relacionamentos humanos (nos mais diversos aspectos).

Reservei-me, durante muitos anos, às leituras silenciosas. Procurei compreender o mundo antes de captar a minha essência. Apaixonei-me por mim quando me desencantei por outros. À priori, num sentimento de autoproteção, comecei a reler as palavras traçadas e enxerguei um amor pelas ideias que projetara desde cedo. Demonstrei ser uma boa leitura. 

Dos rasgos e marcas que fiz em minha única edição, só me arrependo em não ter tido mais tempo de apreciar a obra antes. Entretanto, a história da evolução humana mostra que a seu tempo acontecem seus reconhecimentos. A caminhada é longa rumo ao objetivo final. E tudo na rota se mostra necessário. Até mesmo as traças que estragam as páginas e demandam atenção ao livro apreciado.

Sigo escrevendo minha autobiografia diariamente e querendo ler outras poucas de verdade, com interesses mais puros e honestos que a maioria costuma escrever. Até a edição final desse livro, em meio a qualquer sinal de mudança de gênero literário, é só me recordar que a editora dessa obra sou eu. Um sinal de alívio pisca internamente. É bom saber que posso confiar completamente nela. A experiência até aqui comprovou isso.

domingo, 21 de setembro de 2014

Da fome (e da falta dela)

Sugestão de trilha sonora: Back to the Earth (Jason Mraz)

Há dias em que não sinto a fome de proteínas, carboidratos, potássio ou ferro. Há simples dias em que como para não ter que me preocupar em alimentar a indústria farmacêutica, que cresce no mesmo ritmo das doenças modernas (ambas pelo excesso de fome - seja de lucro, seja de atenção).

Das fomes que sinto, há bastante tempo invade-me a de conhecimento. Conhecer histórias, dramas, dharmas e comédias. Literais e literárias. Há ainda a sede de cantos. De pássaros (como os que escuto diariamente no caminho à academia e que me fazem parar, admirar e sorrir olhando para o céu que evidencia, sem cerimônias, o presente desembrulhado). De música. De colo. De pólos (e naquele em que houver menos provisões comerciais, pretendo me instalar).

Das vezes em que senti o tempo interno mudar, mesmo que em meio a uma caminhada plana, soube identificar a tal fome mental e emocional. A física não costuma vir junto. Ao contrário, ela se dissipa ou se manifesta apenas quando identifico o correr dos ponteiros que não me deixa esquecer o dia a caminhar independentemente da nossa necessidade de tempo.

Tenho sede de compreender. A inanição emocional que assola a humanidade. A verdade das idiossincrasias que nos cercam de arames farpantes e nem se preocupam em nos proteger da primazia de suas palavras cortantes. A falta de perspectiva que há muitos provoca angústias, à primeira vista, incompreensíveis. O humor alucinante em se provar superior, não importa quem seja o outro e qual a sua bagagem histórica.

Não tenho fome de certezas. Mas das dúvidas que me fazem querer seguir atrás de mais respostas, numa trilha que me levará a uma explicação incompleta até atingir o ápice da epopeia que é essa passagem temporária. Por isso, talvez, o organismo não sinta a tal necessidade do trabalho digestivo. Porque o resultado final é bastante previsível. 

Construí ao longo desta minha ainda jovem jornada um caminho baseado na gentileza e na disseminação das ideias, sobretudo daquelas que não se encontram na televisão ou nos quizzes das revistas de moda. Procuro, desde muito muito cedo, a utilidade. Gosto de ser útil. É um prazer incomensurável fazer-me presente em lembranças (de preferência as positivas). 

Não quero receber troféus, capas de revistas ou estátuas em bronze. Apenas quero fazer a diferença. Mesmo que seja por um sorriso, uma provocação sobre a trilha, um elogio despretensioso ou uma palavra compartilhada. Isso não é uma despedida. É uma constatação. Da fome e da falta dela. 

#Texto inspirado na leitura de "Na Natureza Selvagem", de Jon Krakauer, e no filme homônimo de Sean Penn.

sábado, 6 de setembro de 2014

Noivas, a esperança e o amor

Eu vejo noivas toda semana. Pela brecha da porta, pelas falas empolgadas que sibilam do buraco na maçaneta, no descer da escada do prédio ou até pelo cheiro inconfundível dos produtos de beleza que entregam a sua presença.

A cada vez que as sinto por perto é como se qualquer pensamento destoante daquela realidade meio mágica se dissipasse até uma das masmorras da Idade Média. Além disso, a rádio mental sintoniza baladas românticas dos anos 80/90, geralmente internacionais, que me fazem apreciar o brilho exalado na alegria que compartilham, propositadamente ou não.

De Peter Cetera aos Bee Gees, U2 a Elton John, Bryan Adams a Barbra Streisand. Todos compõem harmonias que orquestram pensamentos ao sabor de lírios iluminados (ando apreciando mais essa flor). Mas o que me traz essas sensações além de ver mulheres inspiradas e felizes em uma vestimenta que as deixa (independente do estilo) com uma esperança capaz de abraçar o mundo?

Elas me sintonizam, com seus sorrisos, a um canal de lembranças positivas. É como se a luz alheia me lembrasse de trocar as lentes gastas do cotidiano para as do tipo antirreflexo e anti-arranhões. Então, sigo caminhando pelo corredor até me pegar sorrindo, em frente à minha porta, com a chave na mão direita, pensando no quanto a situação corriqueira ainda me desperta estalos mentais.

Deixe-me contextualizá-los mais: desde pequena acredito no amor. Naquele romântico, com direito a flores, música tema e surpresas marcantes. Tive mil (ou talvez até mais, pois perdi a conta) motivos para desacreditar nisso. Vi pessoas que amo (no sentido real da palavra) serem estraçalhadas. Tive de segurar pontas alheias desde muito nova (quando ainda os dentes eram de leite). Sabia o que via e sabia que aquilo não era certo. Não correspondia às músicas e aos filmes a que constantemente assistia.

Pudera, Endie! Eram filmes e músicas! Cenários irreais! Irreais até que ponto, afinal? Não me deixava abalar! Mesmo sabendo que o "primeiro amor" de infância, o Daniel San, não era real e tinha, na verdade, a idade da minha mãe (que decepção saber que me encantei pela reprise do filme... enfim, crescer também dói), eu não desisti do amor de hamsters no estômago, de sorrisos bobos e de boas lembranças. Daquele amor que quando a música dos dois toca é como se nenhum remédio pudesse ter tamanho efeito diante de alguma dor como aqueles acordes o fazem.

Fui crescendo, o tempo deixando certas certezas de lado e a vida me mostrou que há mais amarguras que romanticismos na estrada. Crueldades disparadas ao vento atingem o alvo e os espectadores, entre eles lá eu estava. A posição forte da emoção começava a ampliar espaço à razão. Amor racional, de pés no chão e bolhas sob o sapato. Segui vendo acidentes emocionais alheios, mas a sede pela esperança me domava a decepção. Por isso, fui tachada (através de olhares repreendedores e palavras debochadas) de ingênua.

Pobre de exemplos próximos, fui deixando de lado a capa da invisibilidade e partindo aos campos vazios da desesperança. Fui até o meio do campo de batalha. Não tive o coração quebrado. Apenas não tive o coração pulsando no ritmo de alguma música. Não compartilhei a tal emoção que nos deixa sem ar e sem melanina. Esvaziei o músculo cardíaco e provei o gosto amargo da desilusão. 

No fundo da alma, a última gota de esperança no amor ainda estava lá. Tive de quebrar o vidro de emergência para usá-la. Não me lembro exatamente o que me deu o estalo. Talvez a fase mais difícil pela qual tive de passar, emocionalmente falando, com a pessoa mais especial da minha vida me tenha feito acordar. Despertei, mesmo me desequilibrando aos poucos, sem saber dosar ao certo o que poderia ser real ou ilusão. 

Segui em frente, mudei-me (de cidade e de aspectos da personalidade) e me vi em situações de impacto. Encarei alegrias e quebradas feias de cara. Chorei, sorri, chorei de novo e sorri novamente, mesmo com os machucados ainda sarando. O que me dá direito a mais uma vida (como aquela dos jogos de Mário Bros, Sonic ou Donkey Kong) é a fé na esperança. Há de se acreditar em algo para poder viver de pé. E eu acredito no amor. Na esperança de que ele é a razão primordial para que tudo o que nós conhecemos exista.

Sem entrar em detalhes sobre aspectos religiosos, acredito no amor maior. Se Deus/Buda/Alá/Khrysna/Ser Supremo nos ama a ponto de nos permitir escolhas por que seguir na reta da amargura? Por isso, quando vejo seres amando e se permitindo curtir momentos desejados eu recarrego minha fé na humanidade. Parece pouco. Mas para mim um sorriso sincero alheio é suficiente para alimentar o apetite em ser feliz. 

Ando com sede e fome de prazeres pequenos: da risada boba no celular àquela compartilhada em meio à louca correria no ambiente de trabalho. Seres humanos são seres complexos. Com uma pesada tendência ao egoísmo e ao massacre emocional. Mas ainda não desisti deles. Com véu e grinalda ou de jeans e camiseta o importante é não deixar de se sentir parte dessa grande escola, cujas provas vão ficando mais e mais difíceis e cujos professores podem ser todos ao redor. Entretanto, o melhor deles costuma estar, normalmente, dentro da nossa própria estrutura. 

Pegue tua chave, sinta os cheiros do ambiente e escolha as trilhas (musicais e de concreto) que te fazem sorrir (mesmo que apenas internamente). Não desvie o olhar do que almeja. Descarte pensamentos negativos e acredite no amor. Mesmo que seja impossível defini-lo, é impossível viver sem senti-lo. Tenho observado isso há quase 29 anos. E, pelo visto, seguirei assim acreditando.

domingo, 17 de agosto de 2014

Cuidando do jardim para deixar fluir

O que você precisa deixar fluir? Com essa pergunta proposta, passei a semana a refletir. Poderia escolher situações, pessoas, angústias passageiras, dores físicas ou nomear uma vasta lista de tudo o que me trava a consciência, a mente e o coração. Porém, ao inspirar profunda e calmamente consegui expirar o que me incomoda, o que causa furo e arranhões nos sapatos. É a inveja. Não a inveja natural, aquela que nos faz admirar algo ou alguém e simplesmente desejá-lo. É o nível agudo dela. Talvez a sua forma doentia.

Desde os primórdios da civilização, quando uns conquistavam uma caça melhor do que a outra, o homem almeja melhorar o seu quintal. Afinal, a grama do vizinho é sempre a melhor, não é? À essa "regra" existem exceções, claro. Com isso não proponho que a minha grama é melhor do que a dos outros. Apenas, é minha. É personalizada. Logicamente, aprendo com os vizinhos: onde compram os arranjos dos quais gostei de apreciar, os adubos, as flores. Mas o que torna prazeroso olhar meu jardim é admirá-lo pela capacidade em combinar o que aprendi com os demais para criar o que me apetece.

Só que há vizinhos preguiçosos, daqueles que afundam em suas cadeiras gastas de praia, que preferem apontar os dedos flácidos (pois não exercitam mais o corpo, tamanha preguiça) para os defeitos dos quintais alheios. "Está vendo só aquele arranjo cafona?" (enquanto não enxerga o seu anão de jardim quebrado). "Quem já viu jardim de escola de samba? Todo colorido!" (enquanto despreza a sua rosa que clama por um gole d'água). "Sistema de irrigação importado, é? Só para se amostrar!" (enquanto as pragas detonam os seus frutos).

O conforto do desapontamento alheio (convenhamos, realizado de maneira neeeem sempre justa) advém com a falta de prática da observação interna. E quando isso se torna uma chave para todas as suas justificativas de vida, então, caro (a) leitor (a), está aí a praga que anda afetando os quintais da nossa vila: inveja crônica sedimentada nos confins dos corações amargurados pela simples vontade em não aprender. Entendo que o aprendizado demanda esforço, dedicação, e isso pode cansar. Mas não se sente bem quando realiza algo por si mesmo? Quando alcança aquele objetivo? Quando a dificuldade passa e você finalmente atende o seu próprio desejo?

Somos movidos a sonhos. Os da padaria, os da livraria, da vaga em um órgão público, do coração preenchido, da casa vendida, da paz alcançada, da saúde almejada, da viagem tão planejada, e até do sorriso sincero conquistado. E o que nos faz melhor ou pior do que os outros se não a maneira como atingimos os nossos objetivos? Por isso, proponho a mim mesma (e a quem quiser participar dessa jornada): olhar, admirar e observar bem o que nos outros quintais poderiam me interessar. Verdadeiramente, não por cobiça. Então, correr atrás, mas em um fair play. Sem querer esmagar a linda orquídea alheia ou entupir o cano da fonte vizinha.

Pensamentos mais limpos ajudarão nessa jogada. Sendo assim, é bom instalar alertas internos de pressão. Quando vier aquela vontade de querer fuzilar o outro só com o olhar, limpe os globos oculares! Apertar o pescocinho da coleguinha, entrelace seus dedos (como em um abraço de mãos)! Especialmente, quando quiser falar mal de alguém, dobre a língua e faça-a tocar no céu da boca, respirando fundo, fechando os olhos e mentalizando o quanto é bom o fato de ter saúde, estar vivo e poder reconhecer capacidades em você mesmo.

A inveja continuará a me incomodar. Sobretudo a que advém de agressões gratuitas em troca de intimidação social. Porém, o fato de buscar cuidar do meu quintal da melhor maneira possível tenho certeza de que mudará as condições internas de deixar muitas coisas fluírem. As macieiras, amoreiras e cerejeiras poderão brotar bons e apetitosos frutos. É só saber regá-las com doses de paciência, respiração e inspiração. Cuidemos dos nossos jardins, então!

quarta-feira, 13 de agosto de 2014

A morte da razão e o vício irracional da autoerosão

Eu não consigo respirar.
Uma asma de nível agudo que me sufoca o peito incrédulo.
Minha consciência de vida anda se esvaindo e repetindo um mantra constante e cheio de angústia: "é neste cenário onde estão depositadas as esperanças da humanidade?"
Mais do que a morte física o que me choca é a morte da vida.
A exacerbada dilaceração de valores primordiais.
Transformam constante e cortantemente circo de horrores morais em pão diário da sobrevivência.
Matam a vontade de querer ver a vida com bons olhos.
Enquanto observo homicídos duplamente, por vezes tripla, desqualificados de valores, juro solenemente não perder o foco da razão.
Mas é difícil. É árduo. E como dói!
Dói ver em que transformam essa existência.
Dói sentir para onde caminhamos. E não quero caminhar assim.
Pessoas machucam outras apenas pelo prazer fétido de se esquecer frustrado.
Criaturas desavisadas são estraçalhadas por pensarem diferente do "senso comum" (e o que é isso, afinal?).
Sufocam-nos, diariamente, nos whatsapps, Facebooks, notícias digitais, com grosserias vis de tão baixo nível humano que mesmo aos seres unicelulares não poderiam ser reportadas.
Engasgo com a sensação repetida de não pertencimento.
Para onde caminhamos, meu Deus/Krishna/Alá?
Envergonho-me de ser humana, se isso é sê-lo.
Entramos, minuto após minuto, post após post, em um ciclo vicioso de agressões.
Agride-se por argumentar diferente.
Por não estar nos "padrões".
Por sorrir muito.
Por cantar de verdade e com o coração.
Por ser "ingênuo demais".
Por não achar normal o instituto da grosseria.
Por parecer melhor, em certos aspectos, do que o outro.
Por não querer revidar.
Por ser "paciente demais".
Por ver o mundo de cabeça para cima.
Por querer viver sem matar.
E matam, como matam!
Estraçalham a energia alheia como zumbis, reais e nada fictícios, que se alimentam das parcas boas intenções.
Por vezes, procuro a emoção de ser humana e a distração das indiferenças me faz perder o rumo da outrora jovem otimista.
Já dizia Renato Russo: "O mundo anda tão complicado".
Está cada vez mais difícil ver a linha do horizonte a me distrair.
Da luz se faz a escuridão em se tornar infeliz. E, talvez pior, em provocar infelicidades.
Se estás feliz, desanima-te depressa, pois é um golpe nos seres frustrados. Bastam algumas palavras de esperança para que a tua miséria seja invocada.
Ando acreditando que pobres não são os que têm pouco, mas os que são tão miseráveis em desejar e nutrir o mal alheio.
O que me gera a provocação (interna, sobretudo, e diária, (in)felizmente) é a morte do Eduardo Campos (tratada como uma piada cruel por alguns). Não votaria nele. Mas a discordância política não me torna perversa. Onde há vida, a meu ver, deve haver respeito.
Além disso, outras questões cotidianas, sobretudo vividas nos últimos meses, me fazem refletir sobre isso.
Sobre a morte da razão.
Como capacidade de raciocínio.
Mas não raciocinam mais. Apenas mordem, mastigam e regurgitam.
Vomitam venenos sem antídotos fortes o suficiente para superá-los.
A razão em acreditar-me capaz de me sentir em casa neste planeta anda esvaindo-se.
Não é a desistência da minha vida.
Apenas a desistência (dolorosa e infeliz) do que, agora, muitos têm chamado de vida.
E, assim, eu não vivo. Apenas, me viro.

Para não desistir de vez, é bom lembrar que há sempre alguém que também não se conforma com a estupidez humana. Ainda bem!:
Teatro dos Vampiros (Legião Urbana)
Perfeição (Legião Urbana)

domingo, 27 de julho de 2014

Em terra de maquiagens excessivas, quem as dispensa é mais feliz (?)

Uma das maiores estupidezes humanas é se aceitar em favor de alguém. É depender de um sistema de aplicação de pontos estrategicamente impostos como moedas de convívio social pacífico. Noto isso por ter sido estúpida. Ao menos, percebi o erro antes de acreditar nele. E eis um novo problema moderno: a crença cega, abundante e sem fundamento na lógica do erro.

Para cada desvio de rota, tendemos reiteradamente a confiar nas próprias desculpas (muitas vezes) ilógicas a 'perder tempo' em acertar a direção. É por isso que há muitos espertos para pouca inteligência no que usam. Ao nos voltarmos para a sensação do deslize, nos sentimos mais seguros em escolher justificativas como quem tira cartas de um baralho (que, em minha sensação, já está bastante viciado).

Ando errando. Comigo, contigo, conosco. O pior não é errar. O grave é saber-se errado e persistir no novo vício social: a justificativa barata levada a sério. Incomodo-me pelo modo com que levo os impactos alheios em minhas produções diárias. Sejam elas práticas ou ideológicas. Como uma pessoa teimosa e ansiosa (combinação tendenciosamente perigosa, a depender da dose utilizada), venho querendo adiantar comportamentos de aprovações alheias que, honestamente, podem ser dispensadas.

E o que somos se não feitos de incertezas? Então, depender de afirmações sociais num ambiente em que todos estamos perdidos em nós mesmos é nos direcionar ao afogamento em um mar de ilusões, até agora, confortáveis. Por isso, ao perceber o destino final, é que estou decidindo desligar o piloto automático, pisar no freio, trocar a marcha e atentar mais para os caminhos à frente e atrás (estes últimos para que me lembrem por onde cheguei e se quero permanecer nessa estrada).

Ando andando tanto que de tanto querer chegar não enxergo os arranhões que ando provocando e provando serem inúteis. Estupidez a minha querer fazer diferente sendo mais dos mesmos tantos 'diferentes' que existem por aqui, ao redor. Sendo assim, paro, reparo (com aquele ar de quem fica bastante chateada por errar naquilo que mais anteriormente desprezava) e retomo a ideia de que neurônios são muito preciosos para serem perdidos com dependências externas.

Na música a qual aprecio muito, "Everybody is changing" (Keane) todo mundo muda enquanto o protagonista de sua própria história não. E não quero me sentir refém de um roteiro mal escrito e de mau gosto da minha vida. Então, começo a estudar melhor a posição do peão neste tabuleiro social. Afinal, é mais gostoso e produtivo ser dependente de autodescobrimento (do que se gosta ou do que se repulsa, sem falso moralismos) do que buscar travestir felicidade numa máscara de Nosferatu.

domingo, 20 de julho de 2014

Entre piscadas, risadas e Seu(s) Madruga(s) - Entrando na pista virtual

Aderi, há poucos dias, à turma dos sites de relacionamento. Não resisti! Para quem não costuma sair o suficiente (porque usa a desculpa de não conhecer muita gente na cidade) e, quando sai, não se sente à vontade olhando para aquele cara cuja capa te atraiu (timidez é lasca mesmo), então, o caminho mais fácil da antissolteirice (neologismo necessário!) é se mostrar online.

Calma! Não é fazer vídeos cujos conteúdos são questionáveis ("ok" se você gostar, mas não sou desse tipo). A tônica é deixar dados pessoais e profissionais (teoricamente verdadeiros. Teoricamente mesmo!) para que o visitante de sua página (que só acessou por causa da sua melhor foto de perfil - cuidadosamente selecionada, especialmente aquela que não está sobrecarregada no picasa ou photoshop) te mande uma mensagem ou até uma piscadinha.

Sim! Há piscada virtual (não, não sou marciana, apenas achava que isso era muito mais ficção do que realidade virtual)! Devo confessar que ri (risadinha incrédula) quando vi o tal botão. E não resisti. Fiz cara de "Dênis, o pimentinha" e apertei o danado logo no primeiro dia de site. Por que não, né? Ao menos, se eu for rejeitada, o outro não verá a minha cara de "hummmm, esse aí está se achando, hein?". E mais tentativas existem para uma aproximação virtual. Desde a cor dos seus olhos até a sua renda mensal. Do mínimo de escolaridade exigido pelo seu cérebro até saber se a pessoa quer ter filhos um dia. Da quantidade de vezes que você costuma sair até saber se o outro se acha bonito/lindo/interessante.

E há espaços para demandas. Você faz uma lista (longa ou não) que vai deixar o visitante (in)satisfeito em querer bater um papo. Mas, como somos seres humanos, há umas pérolas no caminho virtual. E como há! Desde figuras que são a cara (e as rugas) do Seu Madruga e que dizem ter 34 anos, até aqueles que nem sabem copiar frases feitas - pois pegam de um site tosco que escreve "cortir" ou "inportar" como se esses vocábulos veramente existissem.

Há os românticos (que querem amar alguém, mas devem odiar o próprio idioma: "muito carioso cavalheiro antercioso"), os sem rodeios ("quero casar, alguém se habilita?"), os esperançosos ("amar alguém é ser o único a ver um milagre invisível aos outros"), os filósofos ("O perfeito exige perfeição isso está longe de mim! Uma simples mortal me basta!"), os que gostam de ver para crer ("Eu diria que amar é, acima de tudo, sentir-se à vontade. Sem pressa, sem regras estabelecidas. O amor é respeito. Tenha FOTO!"), os amáveis - mesmo com cedilha ("so nao me ama quem nao me conheçe !"), os fogosos ("moreno apaixonante, simpatico, muito safado, cavalheiro e de bem com a vida!!!!") e os que não têm papas na língua ("perfis que não me interessam... 3 - Mulher feia... 8 - Mulheres com antecedentes criminais ou foragidas da Justiça").

Ou seja, não há apenas oportunidades para se arriscar um papo, mas há o risco de não levar esse cenário a sério. Há sinceridades que assustam, enquanto há outras que nos fazem perceber que podem ser mais engraçadas que alguns vídeos famosos do YouTube. O importante disso tudo, mesmo sabendo que estarei tirando uma pequena parte das minhas economias, é que a pista virtual é um excelente ambiente para se estudar comportamentos. Um prato cheio aos cronistas atentos às necessidades humanas (e aos humanos necessitados).

Enquanto não tenho coragem para manifestar interesse por aquele que, por ventura (ou aventura mesmo), me clame a atenção ao vivo, causando até hamster na barriga (para entender isso, recomendo, piamente, assistir ao filme "Com amor... da idade da razão"), então, sigo na plataforma virtual. A conquista das risadas espontâneas, ao menos, já valem a pena. Ou melhor, as clicadas. ;)

sábado, 10 de maio de 2014

A tonalidade certa

A cada novo tom de dó, sustenido fica qualquer cruel lembrança. O dobrar do refrão é como um apagar de desesperos antepassados. Na batida da melodia cada vez mais forte e marcante, um novo ritmo desponta como mais um identificador pessoal, um marcapassos desejado no coração de quem busca freneticamente enxergar além dos olhos do desapontamento.

O pedestal sustenta o microfone e a minha coragem de seguir crendo na luz que me conforta. A expectativa dos sorrisos, amigos ou desconhecidos, soma-se ao calor provocado paradoxalmente (ou não) pelo frio da próxima apresentação. Como não gostar disso? E como não me ater mais e mais a essa força centrípeta que me puxa ao palco? Não posso. Cantar, para mim, é lembrar-me de viver. Todo o resto apaga-se num deslumbrar de desesperos constantes e fugazes.

O subir e descer de notas representa mais do que uma combinação harmônica feliz, é a felicidade de me reconhecer apta a compartilhar mais do que letras conhecidas mas, igualmente, sonhos concretizados em forma de palavras musicadas. Meu sonho não é irreal. Ao contrário, mostra-se passo após passo próximo da realidade, aos poucos mais presente nos apontamentos da agenda. 

Alcanço a esperança de vencer qualquer desafio pendente apenas com a energização do canto. Vejo-me triunfar qualquer dificuldade inocente na busca pela liberdade de minha própria paz. E sigo a acreditar que nenhuma oração ou bênção é maior do que a crença naquilo ao qual chamo de dom, de carinho divino. Por isso, acredito que o que me faz cantar não é apenas a emoção de ser feliz no palco, diante do microfone com ou sem pedestal. O que projeta o meu som mais intrínseco, e intenso, é experienciar o amor-próprio através daquilo que me faz encontrar o espelho de minh'alma. 

Pois que na música me vejo e me projeto. A projetos internos de conforto e externos de raios devastadores de impiedades mascaradas de autoridades insaciáveis de poder. Para tais, o poder da derrubada alheia atrela-se a uma futura sobrevida autofágica. Para mim, o poder cantar já é suficiente para me presentear de vida. Realista e que dispensa autocomiseração. Apenas basta-se a presença de tons felizes.

sábado, 29 de março de 2014

Cemitério emocional

O suicídio da alma começa quando se exclui deliberadamente o poder da contestação. Entre a facilidade em descartar uma preocupação e a admissão de um ato questionável existe uma forte tendência ao liberalismo do bem-estar ungido socialmente para se sentir incapaz de estar vivo. Enxergo preparações constantes ao automatismo das aceitações, por mais que haja um sentido paradoxal de se pretender único. É mais idílica uma realidade de correntes, passadas a frente e a fio, do que uma de pausas reflexivas e questionadoras.

Na noite de ontem, durante uma conversa inicialmente superficial para um findar de semana, surpreendeu-me a ratificação do suicídio social. Ao se falar sobre lugares para dançar, relatou-se, entre risos insistentes, a seguinte apoplexia: "Não frequento mais esse determinado lugar porque tem muito menino novinho e na flor da idade. Eles ficam passando a mão nas bundas das mulheres durante toda a noite. Mas, tadinhos, são tão novinhos e cheios de vida, né? Quando estive lá, deixei apertar a minha bunda porque é uma diversão para eles. E faz parte, né?".

Se algum dia pudesse ser capaz de prever tamanha teoria de aceitação de normalidade apocalíptica atestaria blasfêmia sem pestanejar. A que ponto chegamos? Não se contesta uma agressão por ser normalizada pela vítima! Durante um curso de relevância incalculável, sobre violência psicológica contra a mulher, a pesquisadora e professora Gláucia Diniz, da UnB, pediu-nos reiteradamente para termos bastante cuidado com as teorias criadas por nós mesmos. As compreensões do "ser normal". A família "normal". A pessoa "normal". Atos "normais". Tudo isso pode nos levar ao reforço da prática de crimes.

A conivência em esquartejar o direito em ser humano macula a alma e enoja o coração. A pulsação, a princípio, parece e soa usual. Entretanto, o veneno injetado por anos de 'autodissecação' encontrará alojamento necessário à proliferação de um câncer social: o dissabor em se alimentar de insatisfações. Em nome de quem assim se prossegue? De que vale a sobrevida? A quem pertencem nossos contragostos senão a nós mesmos? Então, por que insistir na levada da maré de automutilações emocionais?

Pensei que a era dos robôs estivesse mais distante. Se bem que, até eles, estão sendo construídos com sensações semelhantes aos humanos. Destes últimos, aliás, onde foi parar a razão em se sentir menos "normal" e mais a si mesmo? Disseco questionamentos, resseco esperanças, espero mudanças. Porque com esse constante suicídio contestador a humanidade caminha para um grande cenário de cemitério emocional.

segunda-feira, 24 de março de 2014

Selfies humanos

De que vale conhecer a frase "fazer o bem sem olhar a quem" se a intenção atual que mais enxergo nas pessoas é "olhar bem a quem antes de fazer"? Portadores de um sentido cruel de humanidade caminham a passos firmes de ganâncias vis na estrada que, por certo, os levará à falência espiritual. Por que não à depressão?

Deprime-se porque se oprime a beleza em ser feliz. No mais realista sentido que possa ter. Não aquele perpetuado nas novelas e programas ausentes de células neurais. Mas no que pode ser tocado pela boa e sincera respiração. Aquela que nos faz sentir o peito inflando de saudável orgulho por participar de uma honesta construção social.

Quanto mais vivo, mais enxergo nequícias. Dessas últimas, o copo está chegando ao topo. Quando enfim derramará seu conteúdo em cima dos que as alimentam? Até lá espero poder não contribuir para a armadilha coletiva que erguem. Por que preferem afundar no lamaçal da truculência fétida de angústias mal curadas do que estenderem as mãos aos galhos próximos? Não quebrarão se notarem a diferença entre a intenção de permanecer na proliferação de violências suavizadas de normalidades e a de seguir numa direção mais humanizada.

Vejo constantemente, diante de telas de plasma e de telas mentais, ações de abuso contra a paz de espírito. É mais fácil condenar e botar o dedo com unhas grandes e afiadas na cara (cada vez mais) exposta alheia do que lhe oferecer um "como você está?" sincero. Percebem o perigo das passadas largas e apressadas que os levam para o esmagamento da gentileza? Não. Infelizmente preferem contradizer a famosa frase do quarteto criado por Alexandre Dumas. Cada um por si e se supõe independência.

Como falham esses homens e mulheres! Elas são as que mais me incomodam por estarem inclusas nesse ramo de plantações espinhosas, principalmente por demonstrarem um grande grau de atrocidade emocional. "As pessoas daqui são assim mesmo. Frias". Frieza não me incomoda tanto. A rocha no sapato são os icebergs colocados nos copos de momentos de sucesso ou alegria alheios. É mais fácil desfazer do outro do que se livrar da velha companheira infelicidade.

As estatísticas de violência bombardeiam-nos diariamente. Porém, as estéticas tomam-lhe o lugar da preocupação. Consente-se um "é assim mesmo" e ratificam-se cinismos ambulantes travestidos de "acredito na Justiça jogando minha raiva em discursos vazios de concretude". Solidões amontoam-se em tecnologias que reforçam experiências juvenis tardias de autoafirmação. Adicionam-se heróis. Procuro seres humanos.
O amparo vem de quando em quando, em pequenas doses. As trombadas em grande doses, cavalares de paixões atadas a enferrujadas amarguras.

É mais rápido viver de riso debochado do que de compartilhamento de riso construtivo. Intuem-se artistas singulares, fazem-se moribundos desnorteados. A trilha dos infortúnios se prolonga. Fracassos participam da estrada. Isso é normal. Incomum é tomá-los como pólvora para ataques constantes que substituem as vírgulas nas conversas cotidianas. Quem assim segue não são poucos. E proliferam-se sem atentar que violência se marca pelo físico e se incrusta pelo emocional.

Perpetua-se o "cadê a minha parte?" e debanda-se o "muito obrigado". Magoa a alma e fere a intenção de ser diferente. Ser humana passou a ser diferente. Para não viver de ataduras furto-me autorretratos irônicos esporádicos (cada vez mais frequentes devido ao aumento nas insistências de diretrizes raivosas). Preciso descer degraus curtos e sem corrimão quando me confronto com a ausência de energia no fim da jornada semanal. É cada vez mais insistente a concepção de mundo dos "selfies" humanos. Reforçam a busca pela beleza perfeita para a plástica realidade. Plastificam seus corações já ausentes de gratidão.

Indago-me bastante e insisto na luz da experiência: a História nos reforça ciclicamente os rumos certos e os errados das estratégias de representação cotidiana. Entretanto, a luz perseguida perece naquela artificial que marca as horas, realiza chamadas, envia mensagens e congela humanidades. Olhar o outro, literal e metaforicamente, nunca me pareceu tão árduo. Visivelmente somos filhos obedientes de vivências distantes do que é válido. É melhor curtir-se em momentos gloriosos de afirmações justas e desbravadoras do que perceber de que de nada adianta prender-se à espera pelo incessante reconhecimento alheio.

O outrora fordismo deu lugar ao "fodismo" em esmagadora escala. Tornar-se referência, na roda de amigos ou conhecidos, é o alvo da vez. Pareço até ver onde isso vai dar. No crescimento da geração vindoura, mães podem vibrar orgulhosas ao questionar os filhotes: "O que você quer ser quando crescer, Fulaninha? Mãe, eu quero ser foda!". Que lindo, não? Ser aquela inatingível. Suficiente para derrubar qualquer recalcada, desfalcada, acabada e qualquer outra palavra que represente o outro - sempre perseguido pelos fantasmas internos que vivem lhe cobrando de seus próprios desfalques.

Há violência em larga escala no mundo e propagamos esse contexto em qualquer área: em família, no trabalho, na academia, na rua. Viola-se o direito de ser bom por pureza. Turva-se a piedade e enobrecem-se reputações transviadas. No rumo que estamos seguindo, seguirei elaborando outros textos com a mesma temática, apenas com frases e palavras costuradas de formas diferentes. A persistência faz parte do meu sangue "A" positivo e operante de otimismo.

Está cada vez mais forte o desafio de seguir buscando não me envolver em momentos agressivos. Como se combate a estupidez emocional humana? Não posso me ausentar da participação coletiva. Então, o que me resta é não medir forças em batalhas fodásticas de cinismos coagulantes. Também não posso viver de angústias por ver o mundo massacrar esperanças honestas. O que me impulsiona é saber que se eu sou diferente, como alguns assim me percebem, porque não seguir acreditando que há outros também nessa busca do alheio de carne, osso e coração? Com tudo isso quero dizer que não sou melhor do que o outro. Estou melhor condicionada do que muitas outras pessoas. Minha condição de vida é enxergar a felicidade no ser humano e não no, tão procurado, "selfie" humano.

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

O retorno de Talião

A cultura do medo espalha-se como arma à loucura realista que nos embevece como um cortejo fúnebre paradoxal. Passa-se a desejar a morte e a enraivecer a vida. O medo o qual outrora pudera unir, une o culto ao vazio humano.

Pensara antes em tecer comentários, compartilhar fatos sobre medos alheios que me desalegravam. Por ocasião, não desloquei tempo necessário à tecelagem por acreditar haver outras importâncias. Entretanto, esses medos atormentaram a minha mente de tal forma que seria desumano não compartilhar a minha dor.

Sofro. Não pela emoção de quem assiste a um filme triste, mas por quem revê diariamente a praga da inanição. Indago-me a pergunta de Freddie Mercury em Bohemian Rhapsody: "Is this the real life? Is this just fantasy? Caught in a landslide, no escape from reality" (Esta é a vida real? Isto é só fantasia? Pego numa avalanche, sem escapatória da realidade) - cujos questionamentos venho fazendo-me há alguns anos, desde que percebi a impossibilidade da materialização do bem.

O problema não é ter opinião. É usá-la como escudo para propagação de crimes. É reforçar o discurso de ódio para a manutenção da vomitocracia cíclica de limpeza social. Livrar-se de um pensamento rancoroso é assumir consequência do possível erro. E a legítima defesa da irresponsabilidade social é errar sem ser humano. O escarro do escárnio ao 'pecador' é tão fétido quanto o produto de uma dor intestinal. Porém, ao menos este último tem valor se o pusermos em grau de proliferação da flora.

O que me impregna é o horror pela bandeira da violência. Soa melhor arrancar cabeças e ensanguentar as palavras do que avalizar o que por certo merecia crédito: a vida. Não é o medo que temo, mas a cultura do medo como forma de proteção ao terror senhorial de quem se acha digno de respeito. Por definição, respeito acompanha a ideia de apreço e consideração. Para quem releva a flama pútrida de inteligência anencéfala, não me surpreende a ausência da autoanálise.

Por onde começar? Quem defende a forca, o retorno aos tempos dos leões no Coliseu, a limpeza étnica aos que despurificam a sociedade perfeita parece-me muito mais impregnado de ódio do que a escória atacada a pau cheio de farpas e ferro quente. Quem exala medo temporário é passível de fermentar coragem. Quem vive do medo permanente azeda as possibilidades da razão. A insanidade não está no deslize, mas na perpetuação da violência. Viver na esquizofrenia da maldade é apodrecer na escuridão da idiocracia.

Mahatma Gandhi já dizia: "Olho por olho e o mundo acabará cego". De olhos secos de razão o planeta está repleto. O paradoxo é que eles pensam ter a fé da liderança libertadora. O engano está na ausência da esperança. Sem esta última, a crença na elevação não ramifica. E não busco neste ponto tratar de religiosidade. Apenas friso que acreditar em algo em nome de verdades decrépitas é caducar-se na imensidão do emburrecimento moral.

Quem se cansa da violência e não se cansa de violar desprovido de entendimento está. A propagação corpulenta do ódio como resposta a descasos de interesse verdadeiramente sociais é digna de atrofia. Mas ela se expande. Alimenta-se rapidamente de pesadas realidades que se despercebem em meio a outras reais necessidades, a outras reais validades. A amargura é a Coca-Cola apreciada da vez. O vício energético de corações ávidos por aplausos a suas atitudes ignóbeis.

"Muitos não percebem que o 'el vingador' de hoje vai se tornar o 'el tirano' de amanhã, cobrando pela suposta proteção" (Jaqueline Muniz, antropóloga em entrevista à CartaCapital). A ameaça não é de quem peca, mas de quem prega radicalização. E de radical em radical se erradica a lucidez. A tirania brota de quem planta a maldade para colher a razão. E esta, meus caros, certamente não está no cultivo da cultura do medo, do ódio e da violação.

Quando se viola o direito à vida não há motivo para idolatrias. Pena que nem todos assim os veem. Pensa que se todos assim os vissem, o direito cercearia-os de perpetuar o reinado da autocomiseração doentia. Que a cura (leia-se: dissipação do combo medo + ódio) a esta nova chaga não tarde, pois que a História nos mostrou o quanto uma praga pode ser devastadora.

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

A questão do álcool

Tenho sido questionada, nos últimos tempos em maior intensidade, sobre a minha escolha em não beber. Mesmo dizendo que eu bebo água (de coco ou H2O simples), suco e chá, não me questionam com tanta intensidade a falta de gosto pelo café. Vai ver a bebida alcoólica me tornaria uma pessoa melhor. Ou seria o contrário?

O simples uso do discurso de que "todo mundo faz isso" me repulsa. Enojo piamente a obrigação da estupidez. Não chamo de estúpido quem bebe, mas quem usa o argumento descabido de fazer algo por uma suposta falta de opção social. Estúpido, segundo um dos significados no dicionário Michaelis, é quem falta discernimento. E este último substantivo parece estar bastante carente no mercado das relações humanas.

Desde cedo, lembro-me escutar de minha mãe que haveria de ser provocada pela minha opção em ser mais saudável. Nunca sofri por isso. Sempre levei numa boa, apesar de qualquer casual insistência. Mas os tempos mais contemporâneos andam clamando por insistências pueris. Estamos na era dos resolvidos. Todos sabem o que é melhor para você, para a política, para o amor, para a dor, menos para suas próprias lombrigas.

Brincadeira à parte, criar expectativas não é muito diferente dos tempos em que criávamos, em nossas infâncias pré-adolescentes, os nossos bichinhos eletrônicos (os 'tamagoshis'). A diferença é que alguns não parecem querer admitir que alimentar um aparato tecnológico é bastante diferente de querer alimentar a vida alheia.

Por isso, peço aos que me questionam brutalmente a minha 'falta de gosto até pelo vinho em Paris': Não me alimentem o enjoo pela vida alheia. Busco a preocupação externa como quem busca apenas um contexto a ser lido sem falsas pretensões. Porém, se me pegam para anticristo por prescindir de uns goles de álcool para curtir melhor a vida, sinto-lhes dizer, mas é melhor pegarem os seus copos inebriantes de ilusões e se afastarem para não perderem o sentido da minha presença em suas vidas.

Faço diferente porque me apetece. E se não lhes apetece, sinto-lhes a franqueza de dispensar, a meu ver, a tristeza da realidade sufocante de medos e angústias abafadas por borbulhas travestidas de felicidade. Minha direção não precisa de aplicativos antimulta.

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Mito da Caverna (de vidro)

Confesso que a minha timidez me atrapalha bastante (ao menos para os que desconheço), mas hoje ela parece ter esvanecido subitamente. Provavelmente o propósito da situação (e do local) fez com que a minha melhor 'arma' (meu sorriso) despertasse aproximações importantes, para o meu trabalho e para a minha caminhada diária de reflexões.
Numa tarde chuvosa, numa sala de vidro, cercada por um verde frio e envolvente, em um dos lugares preferidos de Brasília (talvez por ceder tão bem espaço à cultura), vejo-me aprendendo a viver melhor em sociedade. Fui para trabalhar para uma revista, voltei para trabalhar a minha vida.
"Não quero que me aplaudam porque eu sou uma pessoa com deficiência. Eu quero ser aplaudida por dançar bem e não por causa da minha limitação física".
A dançarina contemporânea, com simpatia firme e nordestina, confessou aos presentes o que podemos começar a perceber ao redor. Perceber que o mundo não é só feito de BBBs, de quem deixou a peça íntima de fora (sem querer querendo muito), ou de seriados e novelas com tendências cada vez mais sanguinárias.
Não quero polemizar. Ou talvez o queira, se polemizar significa propor uma reflexão (afinal, a contemporaneidade adora uma polêmica).
O que de fato é importante? Seguir na linha do "é assim mesmo e nunca vai ter jeito"? Ou pensar que se pode usar, de verdade, os seus neurônios para escutar quem está do seu lado (no trabalho, na vizinhança, na comunidade) e buscar soluções para problemas que persistem desde que o mundo estabeleceu o conceito de "status quo"?
Não resolvi o problema das novas colegas que conheci hoje. Não salvei o mundo e nem conquistei a paz mundial (o complexo das misses). Mas me vi feliz em ter consciência de algumas de minhas potencialidades nesse mundo de extraordinários (cada qual com os seus selfies melhores que os outros, mesmo cometendo crimes de terceiro grau contra a língua portuguesa - "não mim invegi, naisça di novu").
Sozinha? Nada! Tem gente que quer fazer algo, como eu quero. Sem superpoderes. Apenas aproveitando melhor os dias.
Até porque eu prefiro sair da caverna de Platão a ficar nela, que ainda é alimentada a doses cavalares de mitos.